quarta-feira, 1 de agosto de 2012

JURISPRUDENCIA: REDESIGNAÇÃO DO GÊNERO NO REGISTRO CIVIL




EMENTA: ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - TRANSEXUAL - REDESIGNAÇÃO DO GÊNERO NO REGISTRO CIVIL - INEXISTÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO DE UMA PREVISÃO QUE TORNE O PEDIDO INVIÁVEL - ART. 1º, III, ART. 3º, IV E ART. 5º, X DA CF/88 - PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE. - Se não existe no ordenamento jurídico qualquer vedação à alteração de registro de pessoa transexual, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido, que é encontrada nos princípios e valores que a Constituição da República sobreleva. Seguindo-se os preceitos constitucionais, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da República Federativa do Brasil, constitui diretriz que deve nortear a alteração de registro civil de transexual. A Carta Magna objetiva em seu art. 3° promover o bem de todos sem qualquer preconceito de sexo e salienta no inc. X de seu art. 5° ser inviolável a intimidade, a honra e a vida privada de uma pessoa. Deve-se, desta forma, adaptar a designação sexual e o prenome à nova situação do cidadão. - O principio da veracidade que norteia o registro público impõe que seja feita a anotação à sua margem de que se trata de averbação feita por ordem judicial.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0647.07.081676-2/001 - COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): M.A.C. - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE



ACÓRDÃO



VOTO



Trata-se de recurso de apelação proposto à f. 231/246 pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, nos autos da ação de Alteração de Registro Civil movida por M. A. C. no intuito de reformar a sentença de f. 199/224, que julgou procedente o pedido inicial para autorizar as retificações do nome e do sexo do autor em seu assento civil, transformando seu nome original em M. V. C., e o seu sexo original registrado para feminino. Determinou ainda que no assento civil do autor seja consignada a averbação de que seu nome e sexo foram alterados por decisão judicial.



Verifica-se nos autos que o embargante interpôs embargos de declaração à fls. 229/230 requerendo fosse a averbação da alteração do seu nome e de seu sexo expressa apenas no livro A-016, fls. 282-v, termo n° - 17068 do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Itaquera - Comarca da capital de São Paulo, e não na via que será entregue ao embargante. À fls. 248/249 o juiz decidiu por acolher os embargos e corrigir a omissão.

Nas suas razões recursais, o apelante afirma que a sua insatisfação se dá apenas quanto à procedência do pedido do autor de alteração no registro civil da designação do sexo de masculino para feminino. Afirma que o fato de o autor ter se submetido à cirurgia de transgenitalização não o torna, do ponto de vista genético, pessoa do sexo feminino e que desta forma não há respaldo em nosso ordenamento jurídico para a procedência do pedido. Salienta que tal alteração poderia induzir muitas pessoas ao erro, gerando inúmeros reflexos sobre a vida de terceiros. Requer seja dado provimento ao recurso para modificar a sentença parcialmente, permanecendo inalterado o seu sexo original.



Em contrarrazões, à f. 251/257, alega o apelado, em síntese, que a manutenção da sentença é imprescindível para a implementação da efetiva dignidade da pessoa humana, protegendo-se dessa forma a sua intimidade, imagem, individualidade, honra e vida privada. Assevera que nome e sexo são direitos da personalidade por excelência. Requer desta forma seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença ora hostilizada na íntegra.



Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.



Inexistindo preliminares, passo ao exame do mérito.



Observa-se que o apelante alega que não há respaldo em nosso ordenamento jurídico para que possa ser acolhido o pedido do autor, qual seja, alterar sua designação sexual nos seus documentos.



Sabe-se que a impossibilidade jurídica pode surgir de forma expressa, quando a lei textualmente proíbe determinada pretensão, e pode ainda decorrer de impedimento implícito, quando o provimento requerido não puder ser atendido em face de estar subentendida a sua vedação, por afronta aos princípios básicos do nosso sistema jurídico ou pelo próprio ordenamento legal cujas determinações se mostrem contrárias à pretensão.



Desta forma, MONIZ DE ARAGÃO ensina que:



"uma ação pode ser rejeitada porque o autor não praticara ato prévio, sem o qual lhe era vetado o seu exercício'. Resume seu ponto de vista pela seguinte forma: 'A possibilidade jurídica, portanto, não deve ser conceituada como se tem feito, com vistas à existência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma previsão que o torne inviável. Se a lei contiver um tal veto, será caso de impossibilidade jurídica do pedido; faltará uma das condições da ação', a solução se encontra no art. do CC, que dá ao proprietário o direito de defender a sua propriedade erga omnes, propriedade que se adquire com o contrato de compra e venda".



O pedido formulado pelo autor na ação em questão é de alteração de prenome, bem como a redesignação sexual. Ora, sabe-se que não existe no ordenamento jurídico qualquer vedação à alteração de registro quando se trata de transexual, não havendo que se falar em impossibilidade jurídica do pedido. Pela inexistência de leis que regulem o caso específico, os juristas devem se valer dos princípios constitucionais e da hermenêutica jurídica.



Para fazer as necessárias considerações acerca do tema em questão, vale expor os direitos fundamentais e personalíssimos e sua relação com a alteração de registro.



Ratifica-se a importância dedicada aos direitos individuais, social, princípio da dignidade da pessoa humana e os objetivos da República, salientando que são suporte para a alteração do registro. Sendo a Constituição a Lei Maior, a interpretação das normas infraconstitucionais deve ser baseada em seus ditames. A interpretação das normas terá, neste processo de redesignação do estado sexual, fundamental importância.



Neste sentido é importante citar alguns artigos da Constituição Federal de 1988:



"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:



III - a dignidade da pessoa humana;"



"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:



IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."



"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:



X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"



Cite-se ainda o art. 1º do Código Civil de 2002:



"Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil."



Pelo acima explicitado, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da República Federativa do Brasil, consagrada no art. 1º, III, da CRFB, constitui diretriz que deve nortear a alteração de registro civil de transexual.

Primeiramente deve-se entender o sentido de direitos e garantias fundamentais. São os desdobramentos imediatos dos princípios fundamentais, previstos na Carta Magna. Valioso memorar que compõem a integridade moral aqueles direitos elencados no artigo 5º, X, da CRFB. A integridade moral requer o respeito dos demais às características da pessoa. Se o indivíduo, por encontrar-se em situação limítrofe no concernente à sexualidade, é incapaz de integrar-se socialmente, em decorrência do constante conflito entre o seu ser e o dever ser social, não há porque negar-lhe a redesignação sexual em seus documentos.



Saliento ainda que são princípios fundamentais os objetivos da República (art. 3º, CRFB). Destaca-se o inciso IV que exalta a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E se somos iguais, sendo humanos, logo este direito à realização pessoal que frisamos não poderia deixar de competir ao autor. Por isso, consagrado o objetivo da República constante do artigo 3º, IV, da CRFB.



Resta, então, ao recorrido transexual operado, a disparidade entre o que foi registrado e o que se apresenta no mundo dos fatos. Inicia-se, após o ajustamento do físico ao psíquico, agora com propriedade para tal reivindicação, o pleito pelo ajuste jurídico à sua nova situação fática.



O registro civil do nascimento dota de formalidade e publicidade aquele fato jurídico que é o nascimento, início da personalidade civil. De acordo com nosso Código Civil, "toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil" (art. 1º).



Saliento desta forma que os estados individuais descritos nos documentos, em geral, como, por exemplo, sexo, idade, nome e nacionalidade, são atributos da personalidade, ou seja, integram-na. E, por isso, são protegidos pelos direitos da personalidade.



Ocorre que, o apelado, quando do seu nascimento, no registro civil, foi classificado segundo o seu aspecto externo como pertencente ao sexo masculino. Vale fazer a ressalva de que a avaliação da fisionomia não é a única para a determinação do sexo de um indivíduo, sendo essencial apreciar os aspectos psíquicos e comportamentais.



Assevero que os direitos da personalidade garantirão ao autor o direito à alteração do seu registro civil, adaptando a designação sexual e o prenome à nova situação do indivíduo. O grande poder que reveste os direitos da personalidade reside no amparo destes pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB).



Nesse mesmo sentido há entendimento do STJ:



Conforme assinalado por esta Corte na Sentença Estrangeira n.2.149/IT, "a jurisprudência brasileira vem admitindo a retificação do registro civil de transexual, a fim de adaptar o assento de nascimento à situação decorrente da realização de cirurgia para mudança de sexo".( Processo SE 004179 Relator(a) Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data da Publicação 15/04/2009).



Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana. - Sob a perspectiva dos princípios da Bioética - de beneficência, autonomia e justiça -, a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual. - A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade. - A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana - cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano. - Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto. - Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo em perspectiva a transformação estrutural por que passa a família, que hoje apresenta molde eudemonista, cujo alvo é a promoção de cada um de seus componentes, em especial da prole, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana. - A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo. - Conservar o "sexo masculino" no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente. - Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido. - Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73. - Deve, pois, ser facilitada a alteração do estado sexual, de quem já enfrentou tantas dificuldades ao longo da vida, vencendo-se a barreira do preconceito e da intolerância. O Direito não pode fechar os olhos para a realidade social estabelecida, notadamente no que concerne à identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo aspecto da vida privada da pessoa. E a alteração do designativo de sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão importante quanto a adequação cirúrgica, porquanto é desta um desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar. - Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e digna. - De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar "imperfeições" como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado. Recurso especial provido. ( REsp 1008398/SP Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 15/10/2009).



REGISTRO PÚBLICO. MUDANÇA DE SEXO. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SUMULA N. 211/STJ. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO. DECISÃO JUDICIAL. AVERBAÇÃO. LIVRO CARTORÁRIO. 1. Refoge da competência outorgada ao Superior Tribunal de Justiça apreciar, em sede de recurso especial, a interpretação de normas e princípios de natureza constitucional. 2. Aplica-se o óbice previsto na Súmula n. 211/STJ quando a questão suscitada no recurso especial, não obstante a oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pela Corte a quo. 3. O acesso à via excepcional, nos casos em que o Tribunal a quo, a despeito da oposição de embargos de declaração, não regulariza a omissão apontada, depende da veiculação, nas razões do recurso especial, de ofensa ao art. 535 do CPC. 4. A interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual operado obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive. 5. Não entender juridicamente possível o pedido formulado na exordial significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade. 6. No livro cartorário, deve ficar averbado, à margem do registro de prenome e de sexo, que as modificações procedidas decorreram de decisão judicial. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido. ( REsp 737993/MG Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 10/11/2009).



Deter-se o julgador a uma codificação generalista, padronizada, implica retirar-lhe a possibilidade de dirimir a controvérsia de forma satisfatória e justa, condicionando-o a uma atuação judicante que não se apresenta como correta para promover a solução do caso concreto, quando indubitável que, mesmo inexistente um expresso preceito legal sobre ele, há que suprir as lacunas por meio dos processos de integração normativa, pois, atuando o juiz supplendi causa, deve adotar a decisão que melhor se coadune com valores maiores do ordenamento jurídico, tais como a dignidade das pessoas. Sendo assim, sem perder de vista os direitos e garantias fundamentais expressos da Constituição de 1988, especialmente os princípios da personalidade e da dignidade da pessoa humana e, levando-se em consideração o disposto nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, entendo que deve ser deferida a mudança do sexo (de "masculino" para "feminino") que consta do registro de nascimento, adequando-se documentos e, logo, facilitando a inserção social e profissional. (Processo REsp 876672 Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Data da Publicação 05/03/2010.)



Há também vasta Jurisprudência deste egrégio Tribunal:



APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE PRENOME. EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO. DESIGNAÇÃO DE SEXO OPOSTO. POSSIBILIDADE. A atribuição de nome que designe pessoa do sexo oposto à do portador causa constrangimentos, devendo ser autorizada a sua alteração para outro mais comum e que designe pessoas do sexo de quem o detém. Recurso provido. (Apelação: 1.0342.06.078478-8/001(1), Relatora: Des. (a) HELOISA COMBAT)



RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO -TRANSEXUAL SUBMETIDO À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO - ALTERAÇÃO DO PRENOME E DESGINATIVO DE SEXO - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE - RECURSO PROVIDO ''- Conservar o 'sexo masculino' no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente. - Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido''. (REsp 1008398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 18/11/2009). (Apelação: 1.0024.09.672096-6/001(1), Relator: Des. (a) ALVIM SOARES)



Também em outros Estados este entendimento tem se solidificado:



TJRS. 1. Processo civil. 2. Registro público. 3. Registro civil. Assento de nascimento. Retificação. - alteração de prenome. Transexualismo. - admissibilidade. - alteração de sexo. - deferimento do pedido. 4. Juiz. Decisão da lide. - lacuna ou obscuridade. Aplicação dos princípios gerais do direito e regras de estatutos similares. - analogia. Aplicação. 5. Intervenção cirúrgica. Alteração de sexo. Efeitos. 6. Direito individual. Direito à identidade pessoal. Considerações sobre o tema. 7. Transexual. Alteração de nome. Identidade sexual. Registros Públicos 8. Caso Rafaela. (Apelação cível nº 593110547. Relator: Luiz Gonzaga Pila Hofmeister. Porto Alegre, 10 de março de 1994).



TJSP. Registro civil - Pedido de alteração do nome e do sexo formulado por transexual primário operado - Desatendimento pela sentença de primeiro grau ante a ausência de erro no assento de nascimento - Nome masculino que, em face da condição atual do autor, o expõe a ridículo, viabilizando a modificação para aquele pelo qual é conhecido (Lei n. 6015/73, artigo 55, parágrafo único, combinado com artigo 109) - Alteração do sexo que encontra apoio no artigo 5º, X, da Constituição da República - Recurso provido para se acolher a pretensão. É função da jurisdição encontrar soluções satisfatórias para o usuário, desde que não prejudiquem o grupo em que vive, assegurando a fruição dos direitos básicos do cidadão. (Apelação Cível nº 165.157-4, da Quinta Câmara de Direito Privado. Relator: Boris Kauffmann. São Paulo, 22 de março de 2001).



TJRJ. Apelação. Registro civil. Retificação do registro de nascimento em relação ao sexo. Passando, a pessoa portadora de transexualismo, por cirurgia de mudança de sexo, que importa na transmutação de suas características sexuais, de ficar acolhida a pretensão de retificação do registro civil, para adequá-lo à realidade existente. A constituição morfológica do individuo e toda a sua aparência sendo de mulher, alterado que foi, cirurgicamente, o seu sexo, razoável que se retifique o dado de seu assento, para "feminino", no registro civil. O sexo da pessoa, já com o seu prenome mandado alterar para a forma feminina, no caso concreto considerado, que é irreversível, deve ficar adequado, no apontamento respectivo, evitando-se, para o interessado, constrangimentos individuais e perplexidade no meio social. As retificações no registro civil são processadas e julgadas perante o Juiz de Direito da Circunscrição competente, que goze da garantia da vitaliciedade, e mediante processo judicial regular. A decisão monocrática recorrida não contém nulidade insanável. Preliminares rejeitadas. Recurso, quanto ao mérito, provido, para ficar modificado, parcialmente, o julgado de 1º grau. (Apelação Cível nº 2002.001.16591, da Décima Sexta Câmara Cível. Relator: Ronald Valladares. Rio de Janeiro, 25 de março de 2003).



Enfim, trata-se de uma realidade que aí está e não pode ser desprezada, devendo ser considerada em toda a sua plenitude, para que não restem meias soluções e meias medidas. Se a medicina pode buscar e aplicar soluções nesses casos, não pode o Judiciário negar o seu implemento final, com a positivação no documento da situação que já existe de fato.



Decidir pela reforma da sentença e manter a designação do autor como sendo do sexo masculino imporia barreira para a realização da sua identidade sexual. Afinal, seria extremamente humilhante ser reconhecido por um nome que não condiz com seu gênero sexual.



Faço uma observação sobre o acerto da sentença, pois o registro deve constar a verdade dos fatos, nada podendo omitir. A averbação de que a modificação adveio de ordem judicial visa preservar a realidade fática, de modo a proteger os interesses de terceiros, dando-lhes a segurança de que as informações constantes dos registros públicos correspondem à realidade e decorre do princípio da veracidade, que norteia os registros públicos.



Aliás, essa modificação por que passou o requerente, com a averbação, vem atender precisamente a esse princípio da veracidade, resguardando aos que com ele possam conviver e que não serão induzidos a erro quanto ao seu sexo, visto que a averbação faz essa ressalva.



Assim, a determinação de que conste à margem do registro a averbação de que as modificações referentes ao sexo e ao nome e prenome decorreram de decisão judicial preserva a veracidade de que goza o registro público. Esta averbação, ao contrário de demonstrar preconceito, demonstra respeito à condição humana criada, que não pode ser ocultada, resguardado o sigilo da anotação, nos moldes de praxe, o que foi determinado pelo MM. Juiz.



O contrário - deixar de modificar o registro - acarretaria a situação absurda de deixar constar no registro uma situação de fato que não mais existe.



Ressalto, ademais, o acerto da sentença, ao determinar que á margem do registro conste a averbação de que as modificações referentes ao sexo e nome decorreram de decisão judicial, em respeito aos direitos de terceiros na atualidade ou no futuro envolvidos, pois o registro deve constar a verdade dos fatos, nada podendo omitir, em atenção ao PRINCÍPIO DA VERACIDADE. Esta averbação, ao contrário de demonstrar preconceito, demonstra respeito à condição criada, um reconhecimento de que há fato científico reconhecido e protegido judicialmente, que não pode ser ocultado, resguardado o sigilo da anotação, nos moldes de praxe, mas sempre possibilitando o seu conhecimento a terceiros interessados, conforme determinado pelo MM. Juiz, que utilizou de cautela e atendeu aos princípios que regem ao registro público.



Diante do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo, in totum, a sentença prolatada em primeira instância.



Custas recursais, ex lege.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

STJ E COMENTÁRIOS DO PABLO!

Amigos do coração,

O último informativo do STJ veio RECHEADO de importantes julgados para concurso ou para a vida profissional. Colacionei, abaixo, três deles, que chamaram a minha atenção, e fiz algumas considerações para facilitar o seu entendimento:

OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE RESPONDE OBJETIVAMENTE PELO ERRO DO MÉDICO CREDENCIADO!
RESPONSABILIDADE. PLANO DE SAÚDE. PRESTAÇÃO. SERVIÇO.

Reiterando seu entendimento, a Turma decidiu que a operadora de plano de saúde é solidariamente responsável pela sua rede de serviços médico-hospitalar credenciada. Reconheceu-se sua legitimidade passiva para figurar na ação indenizatória movida por segurado, em razão da má prestação de serviço por profissional conveniado. Assim, ao selecionar médicos para prestar assistência em seu nome, o plano de saúde se compromete com o serviço, assumindo essa obrigação, e por isso tem responsabilidade objetiva perante os consumidores, podendo em ação regressiva averiguar a culpa do médico ou do hospital. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.037.348-SP, DJe 17/8/2011; AgRg no REsp 1.029.043-SP, DJe 8/06/2009, e REsp 138.059-MG, DJ 11/6/2001. REsp 866.371-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 27/3/2012.

COMENTÁRIO: É digno de nota o julgado haver feito referência à responsabilidade "objetiva" da operadora. Este entendimento, em meu sentir, se harmoniza com a regra geral do Código de Defesa do Consumidor que prevê a responsabilização sem aferição de culpa.

O STJ NÃO ACEITA UNIÕES ESTÁVEIS PARALELAS!

RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL SIMULTÂNEA AO CASAMENTO.

Ser casado constitui fato impeditivo para o reconhecimento de uma união estável. Tal óbice só pode ser afastado caso haja separação de fato ou de direito. Ainda que seja provada a existência de relação não eventual, com vínculo afetivo e duradouro, e com o intuito de constituir laços familiares, essa situação não é protegida pelo ordenamento jurídico se concomitante a ela existir um casamento não desfeito. Na hipótese, havia dúvidas quanto à separação fática do varão e sua esposa. Assim, entendeu-se inconveniente, sob o ponto de vista da segurança jurídica, inviolabilidade da vida privada, da intimidade e da dignidade da pessoa humana, abrir as portas para questionamento acerca da quebra da affectio familiae, com vistas ao reconhecimento de uniões estáveis paralelas a casamento válido. Diante disso, decidiu-se que havendo uma relação concubinária, não eventual, simultânea ao casamento, presume-se que o matrimônio não foi dissolvido e prevalece os interesses da mulher casada, não reconhecendo a união estável. Precedentes citados do STF: RE 397.762-BA, Dje 11/9/2008; do STJ: Resp 1.107.195-PR, Dje 27/5/2010, e Resp 931.155-RS, DJ 20/8/2007. REsp 1.096.539-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/3/2012.

COMENTÁRIO: Este julgado reafirma tendência da jurisprudência tradicional, na perspectiva da monogamia. Alguns autores mais modernos, especializados em Direito de Família, fazem algumas ponderações críticas. Mas ainda prevalece a ideia de não ser possível o paralelismo familiar, em uniões estáveis simultâneas.

CÔNJUGE QUE ADMINISTROU PATRIMÔNIO COMUM TEM DE PRESTAR CONTAS!
PRESTAÇÃO DE CONTAS. SEPARAÇÃO. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS.

No caso, o tribunal a quo manteve incólume a sentença que julgou procedente a ação de prestação de contas proposta pela recorrida para obrigar o ora recorrente, com quem contraiu matrimônio sob o regime de comunhão universal de bens, à prestação de contas da administração do patrimônio comum a partir do termo inicial da separação das partes. Nas razões do apelo especial, sustenta o recorrente, em síntese, a inviabilidade do pedido de prestação de contas porque os bens são mantidos por ambas as partes, casadas sob o regime de comunhão universal. A Turma entendeu que a legitimidade ad causam para a ação de prestação de contas decorre, excepcionalmente, do direito da ex-mulher de obter informações dos bens de sua propriedade administrados por outrem, no caso seu ex-marido, de quem já se encontrava separada de fato, durante o período compreendido entre a separação de fato e a partilha de bens da sociedade conjugal. Ademais, nos termos do acórdão recorrido, o cônjuge, ora recorrente, assumiu o dever de detalhar e esclarecer os rendimentos advindos das terras arrendadas, bem como o de prestar as respectivas informações quanto ao patrimônio comum, estando assentada a relação jurídica de direito material entre as partes. No que tange ao período em que houve a ruptura da convivência conjugal, não se desconhece a circunstância de que, na constância do casamento sob o regime de comunhão universal, os cônjuges não estão obrigados ao dever de prestar contas um ao outro dos seus negócios, haja vista a indivisibilidade patrimonial. Todavia, com a separação de corpos, e antes da formalização da partilha, quando os bens estiverem sob a administração de um deles, no caso, postos aos cuidados do recorrente por mais de 15 anos, impõe-se reconhecer o dever de prestação de contas pelo gestor do patrimônio comum. É induvidoso que aquele que detiver a posse e a administração dos bens comuns antes da efetivação do divórcio, com a consequente partilha, deve geri-los no interesse de ambos os cônjuges, sujeitando-se ao dever de prestar contas ao outro consorte, a fim de evitar eventuais prejuízos relacionados ao desconhecimento quanto ao estado dos bens comuns. Diante dessas e de outras considerações a Turma negou provimento ao recurso. REsp 1.300.250-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/3/2012.

COMENTÁRIO: Muito interessante este julgado. Muitos casais se divorciam ou se separam de fato e "deixam a partilha para depois". Bem, o cônjuge que administrou o patrimônio do casal durante este período terá de prestar contas ao outro...justo, não?

Fonte: Informativo 0494

Um abraço no coração, amigos queridos!

Pablito

quarta-feira, 2 de maio de 2012

ABANDONO AFETIVO E STJ

Em decisão inédita, STJ condena pai por abandono afetivo

Em decisão inédita no Superior Tribunal de Justiça (STJ), um pai foi condenado a pagar indenização de R$ 200 mil por abandono afetivo. De acordo com a assessoria de imprensa do STJ, a filha entrou com uma ação contra o pai após ter obtido reconhecimento judicial da paternidade e alegou ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. A autora da ação argumentou que não recebeu os mesmos tratamentos que seus irmãos, filhos de outro casamento do pai.

A decisão da ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, é do último dia 24 de abril, mas foi divulgada apenas nesta quarta-feira (2). “Amar é faculdade, cuidar é dever”, disse a magistrada ao garantir a indenização por dano moral. Em 2005, a Quarta Turma do STJ, que também analisa o tema, havia rejeitado a possibilidade de ocorrência de dano moral por abandono afetivo.

O caso em questão foi julgado improcedente na primeira instância judicial, tendo o juiz entendido que o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai. A autora recorreu, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reformou a sentença, reconhecendo o abandono afetivo e afirmando que o pai era “abastado e próspero”. Na ocasião, o TJ-SP condenou o pai a pagar o valor de R$ 415 mil como indenização à filha.

Foi a vez de o pai recorrer da decisão, afirmando que a condenação violava diversos dispositivos do Código Civil e divergia de outras decisões do tribunal. Ele afirmava ainda não ter abandonado a filha. Ao julgar o caso, o STJ admitiu a condenação por abandono afetivo como um dano moral e estipulou indenização em R$ 200 mil –os ministros mantiveram o entendimento, mas consideraram o valor fixado pelo TJ-SP elevado. 

Para a ministra Nancy Andrighi, “não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família”. Ainda segundo ela, a interpretação técnica e sistemática do Código Civil e da Constituição Federal apontam que o tema dos danos morais é tratado de forma ampla e irrestrita, regulando inclusive “os intrincados meandros das relações familiares”. 

Em sua decisão, a ministra ressaltou ainda que a filha superou as dificuldades sentimentais ocasionadas pelo tratamento como “filha de segunda classe”, sem que fossem oferecidas as mesmas condições de desenvolvimento dadas aos outros filhos, mas os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna perduraram. 

Em entrevista à Rádio CBN, a ministra afirmou que os pais têm o dever de "fornecer apoio para a formação psicológica dos filhos". Andrighi ressalta, ao longo da entrevista, que a decisão do STJ "analisa os sentimentos das pessoas” e disse que “novos caminhos e novos tipos de direitos subjetivos estão sendo cobrados". "Todo esse contexto resume-se apenas em uma palavra: a humanização da Justiça", finalizou.

(Com Agência Estado)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

STF julga ação sobre anencefalia

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na manhã de hoje, dia 11, o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) para descriminalizar a antecipação terapêutica do parto em caso de gravidez de feto anencéfalo.

A CNTS alega ofensa à dignidade humana da mãe o fato de ela ser obrigada a carregar no ventre um feto que não sobreviverá depois do parto. A entidade é representada pelo advogado Luís Roberto Barroso. A defesa da CNTS indica a proibição de efetuar a antecipação terapêutica do parto nas hipóteses de fetos anencefálicos como violação dos seguintes preceitos fundamentais da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana, o princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade e o direito à saúde, já que é inviável a vida extra-uterina em casos de anencefalia em 100% dos casos. 

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, manifestou-se pela procedência da ação. De acordo com parecer da PGR, "não se justifica, sob o prisma constitucional, a imposição de qualquer restrição, sobretudo de natureza penal, à liberdade da gestante de decidir se interrompe ou não a sua gravidez, abreviando o desfecho inexorável da morte do anencéfalo". No parecer, é dito que a questão jurídica debatida na ADPF é fruto do "anacronismo da legislação penal brasileira, editada quando ainda não era possível diagnosticar a viabilidade da vida extra-uterina do feto".

Nesse momento, o ministro Marco Aurélio faz a leitura de seu voto. Segundo o ministro, o Brasil é o quarto país no mundo em casos de fetos anencéfalo e a incidência é de aproximadamente um a cada mil nascimentos, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde apresentados na audiência pública realizada em 2008. Até o ano de 2005, segundo ele, os juízes e tribunais de justiça formalizaram cerca de três mil autorizações para a interrupção gestacional em razão da incompatibilidade do feto com a vida extrauterina. 

Em sua fundamentação, o ministro recorreu aos depoimentos de mulheres que passaram por gravidez e que foram ouvidas em audiência pública. Uma delas, que conseguiu na justiça o direito de antecipar o parto, disse: "foi como se tivessem tirado um peso das minhas costas. Parecia que carregava um peso nas costas".

Marco Aurélio destacou que às mulheres sentenciadas a prosseguirem com a gestação de anencéfalo recai uma sensação de inutilidade e incapacidade de ser mãe. Ele disse que o sofrimento delas pode ser comparado à tortura, a considerar depoimentos de médicos que compareceram à audiência pública sobre o assunto. "São nove meses de angústia e sofrimento e inimagináveis", ponderou o ministro. 

Ele também argumentou que não se pode exigir da mulher aquilo que o Estado não vai fornecer por manobras médicas que é a sobrevivência do feto anencéfalo. Ressaltou que o Estado brasileiro é laico e ações de cunho moral não merecem a glosa do Direito Penal.  O ministro julgou inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro. Marco Aurélio finalizou dando voto favorável à interrupção da gravidez de feto anencéfalo.  
FONTE: http://www.ibdfam.org.br

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Entrevista sobre a superação da monogamia como princípio jurídico


 
Para o advogado Marcos Alves da Silva, um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Família do Paraná (IBDFAM-PR), a monogamia não se sustenta como princípio estruturante do estatuto jurídico da família. Estudo com essa temática foi apresentado por ele como defesa de tese de doutorado em Direito à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A pesquisa recebeu nota máxima da banca, com louvor. Conforme o estudo, a monogamia presta-se como instrumento de exclusão de muitas famílias, fato bem documentado por farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desse entendimento decorre outro importante: de que decretar o fim da monogamia como princípio jurídico é tornar as relações afetivas mais responsáveis. Acompanhe a entrevista com o advogado Marcos Alves. 

O que o leva a propor a superação da monogamia como princípio estruturante do estatuto jurídico da família?


Esta pergunta pode ser respondida a partir de duas perspectivas. Uma diz respeito à motivação ou hipótese que constituiu a base ou o impulso para pesquisa. A outra se refere ao núcleo da tese, isto é, as razões que me permitem afirmar que a monogamia não constitui, hoje, princípio estruturante do estatuto jurídico da família. Parto da suspeita que o princípio da monogamia presta-se como instrumento de exclusão para tornar certas pessoas e situações subjetivas co-existenciais invisíveis ao Direito. Há famílias que existem sociologicamente, mas sua existência jurídica é negada, gerando graves injustiças e assim ocorre em atenção ao suposto princípio da monogamia. Os exemplos da utilização da monogamia como instrumento de exclusão está presente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) de forma abundante.  Estes julgados são analisados na tese. Por outro lado, especialmente pela peculiaridade da construção dogmática da noção de concubinato no Brasil, a monogamia se justifica como norma protetora da conjugalidade matrimonializada e institucionalizada na qual o viés da dominação masculina é inegável. A concubina, desde os tempos do Brasil Colônia, foi a índia, a negra, a branca pobre, a moça que não era para casamento... Neste aspecto, a tese abriu espaço para um amplo diálogo com as ciências sociais.  O trabalho de Bourdieu, por exemplo, tem grande importância para a linha de argumentação desenvolvida na tese. Esta seria a motivação, a mola propulsora da pesquisa, isto é, a percepção de que o conceito do concubinato reforçado pelo art. 1.727 do Código Civil, constitui um estatuto de exclusão. A tese de que a monogamia não constitui, hoje, princípio estruturante do estatuto jurídico das famílias, assenta-se em linha argumentativa que tem como pano de fundo a perspectiva do Direito Civil-Constitucional. Procuro demonstrar que a monogamia como princípio não subsiste face aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da igualdade substancial, da liberdade e da democracia. A monogamia, como norma jurídica, é submetida a um banco de provas que tem como referencial os princípios constitucionais. A conclusão é de que a reconfiguração das conjugalidades contemporâneas - sob o signo da pluralidade das entidades familiares e da potencialização do exercício da liberdade nas situações subjetivas existenciais não admitem - é incompatível com um princípio que se prestou à tutela de uma outra família de natureza marcadamente  matrimonializada, patriarcal, hierárquica, transpessoal, incompatível com o seu redesenho contemporâneo.

Em sua avaliação, a traição e a infidelidade funcionam como quebra do sistema monogâmico?
Não. Quando, em termos jurídicos, se faz referência à infidelidade está pressuposto o dever jurídico da fidelidade.  Sustento que não existe um dever jurídico de fidelidade. Creio que a Emenda 66 reforça minha tese. Só há que se falar em dever jurídico se do seu descumprimento decorrer uma sanção, uma eficácia jurídica. Caso contrário ele converte-se em um dever simplesmente moral. O Estado Moderno tornou-se herdeiro de um grande equívoco. A Igreja chamou a si o poder de regular e controlar a sexualidade tanto em sua dimensão reprodutiva como erótica. Com as Revoluções Burguesas, o Estado trouxe a si, sem grande alteração de fundo, este poder regulatório.  Não faz qualquer sentido, atualmente, que o Estado mantenha a pretensão de regular a sexualidade. Neste campo, a autonomia privada deve ter a máxima expansão. O Estado somente deve intervir para tutelar as pessoas que nas relações familiares encontrem-se em situação de vulnerabilidade.  Mas não para cercear a liberdade das pessoas. O Estado que se afirma democrático não pode impor a todos os cidadãos um modelo único de família, assim concebido com base em percepções religiosas.  A democracia não deve expandir-se da praça para a casa. A democratização da intimidade é uma constatação da vida contemporânea ressaltada por autores como Giddens. Por outro lado, o Estado é laico. Não é admissível que imponha a todos uma única concepção de família. O intenso processo de imigração e de comunicação entre as culturas humanas também é fator que impõe esta reflexão. Sem esquecer que nenhuma cultura é monolítica. Não há como falar em uma cultura brasileira. Logo, a efetiva democracia pressupõe a construção de espaços jurídicos para todos. Esta liberdade somente se instala se o Estado abster-se da pretensão da regulação totalitária da sexualidade, que era viável para a os intentos da Igreja Católica à época do Concílio de Trento. Hoje, não há espaço para esse tipo de pretensão regulatória.

A Emenda Constitucional 66/2010 (Divórcio Direto) afastou prazos desnecessários, acabou com a discussão da culpa pelo fim do casamento e suprimiu o instituto da separação judicial. Sua tese se alinha com o entendimento da superação da culpa pelo fim do enlace conjugal?

A tese está perfeitamente alinhada com o sentido da reforma operada pela Emenda Constitucional 66. Esta aparente singela alteração do texto constitucional, que simplesmente cortou a exigência de observância de prazo para o divórcio direto, na verdade implicou tremendo câmbio para o Direito de Família. O direito de não permanecer casado, sem dar qualquer satisfação ao Estado, foi o que estabeleceu a Emenda 66. A culpa carregava consigo a ideia de pecado e de controle deste, primeiro pela Igreja e depois pelo Estado.  Depois da Emenda 66, perdeu sentido falar-se em dever jurídico de fidelidade.

A superação da monogamia, por sua vez, enaltece o princípio da responsabilidade nas entidades familiares?

Não há dúvida que sim.  Esta é uma das linhas da tese. À medida que mulheres, designadas concubinas, saem da ocultação a elas impostas pelo véu da ficção jurídica ancorada no princípio da monogamia, há necessária responsabilização daqueles que participam de dois ou mais núcleos familiares. O princípio da monogamia, que entendo superado, desprestigiava o princípio constitucional da pluralidade de entidades familiares. Defendo a construção de modelos jurídicos autóctones de entidades familiares. O problema é que o matrimônio foi tomado sempre como referência para a concepção do novo. Este procedimento tem se revelado inadequado. Como a monogamia era tomada como princípio na família matrimonializada, por uma analogia equivocada, transferiu-se a noção para as demais entidades familiares. Esta transferência mostra-se impertinente também pelo fato de que retira responsabilidades, visto que as famílias simultâneas, sendo desconsideradas, nada exigem juridicamente especialmente do homem.

Sua tese de doutorado obteve nota máxima e foi aprovada com louvor pela banca da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Entende que seja um reconhecimento a uma proposta para a qual a sociedade se encaminha?

Creio que a tese é construída no olho do furacão, isto é, no centro das mudanças que estão se operando. Obviamente haverá resistência, haverá reação à tese, mas creio que por outro lado ela já vem sendo assimilada. Recente decisão do STF em relação a duas uniões estáveis simultâneas, sendo uma hetero e outra homossexual, agora, decisão recente do Supremo em um agravo em sede de recurso especial, entendeu como repercussão geral  a possibilidade da existência simultânea de uma união homoafetiva e outra união estável heterossexual. Ora, quando se admite uma união estável paralela a outra, automaticamente esse princípio da monogamia está rompido, quebrado. De certa forma, aquilo que se sustenta na tese tem recepção no próprio STF.

Como vê a relação entre a mudança de costumes da sociedade e a resposta que o Judiciário lhe dá atualmente?

Eu entendo que o Judiciário, comparado com o Legislativo, tem dado respostas muito mais condizentes com as alterações das concepções, especialmente das concepções e costumes relativos às relações familiares, do que propriamente o Legislativo. A grande resistência às alterações, às mudanças, está presente no poder Legislativo. O Judiciário, por exemplo, tem dado mostras de uma conexão muito estreita com a sociedade. Recentemente, a decisão do Supremo Tribunal Federal referente às relações homoafetivas foi uma demonstração cabal disso. Do reconhecimento da união estável, da leitura da união homoafetiva como união estável, foi um exemplo nesse sentido. Mas, obviamente, mesmo dentro do Judiciário, há resistências. Mas eu creio que essas resistências dentro do Poder Judiciário são menores do as resistências existentes no Poder Legislativo. No Poder Legislativo, existem algumas bancadas muito reacionárias que são expressão de determinados segmentos da sociedade que resistem muito fortemente às mudanças em relação ao Direito de Família. Essas mudanças são expressão das novas concepções vividas na sociedade, mas a resistência a elas é muito maior no Legislativo do que no Judiciário.

As premissas de seu estudo se aplicam às relações homoafetivas?

Como me referi anteriormente, recente decisão do STF reconheceu a possibilidade de uniões paralelas, sendo uma hetero e a outra homossexual, com pessoa que integrava ambas as relações. Respondendo à questão, talvez o fato mais importante diz respeito à  quebra de um paradigma. As relações homoafetivas quebram um paradigma que estava fundado no matrimônio, no casamento. Então, neste sentido, a afirmação da pluralidade de entidades familiares numa sociedade que é plural e que deve ter respeitada essa pluralidade por questão de princípio constitucional e que a superação de toda marginalização ela também atende ao princípio da solidariedade constitucional. Nesse sentido, as relações homoafetivas têm uma função como que didática ou pedagógica no sentido de que a quebra de paradigma ganha nelas mais visibilidade, mais expressão. Então de tal forma que a tese tem ampla ampliação nas relações homoafetivas.

Acredita que conhecimentos como os contidos em sua dissertação de doutorado demoram muito a ser assimilados pelos operadores do Direito?

Veja bem, a princípio o enunciado da tese pode causar surpresa e perplexidade até em alguns meios quando se diz a "Superação da monogamia como princípio estruturante do estatuto jurídico da família". Este enunciado talvez cause perplexidade num primeiro momento. Mas ao se demonstrarem as razões da tese, e ao se confrontar a regra da monogamia com os princípios constitucionais, parece já ser hoje esta linha de entendimento algo que é perfeitamente acolhido pela sociedade. No sentido de que cada vez mais há uma compreensão de que nós estamos, primeiro, num estado laico. Sendo laico o estado, não há a justificativa de uma regra ou compreensão religiosa, ou seja, de ordem ética ou filosófica de um determinado grupo para que ela se estenda necessariamente como norma estatal a todas as pessoas, como uma invasão indevida do estado nas relações interprivadas, especialmente nas situações subjetivas existenciais. Especialmente quando esta regra se presta como estatuto de exclusão de determinadas pessoas à proteção do estado. Se aqueles que estão numa condição de vulnerabilidade é que devem ser protegidos, especialmente esses, pela regra da monogamia, são aqueles que são desatendidos pelo estado. Então, parece-me, que há, hoje, esse entendimento. Todavia, o preconceito, aquilo que já está assentado já quase que secularmente em relação ao princípio da monogamia, então, por causa disso, no primeiro momento há uma resistência. Mas eu creio que a aceitabilidade da tese é algo necessário no sentido de que a sociedade está preparada para uma mudança de concepção. Agora, vários setores do chamado mundo jurídico, diversos tribunais, ainda resistem com muita força à ideia da superação da monogamia.     

Fonte: Assessoria de Comunicação Social do IBDFAM 
Portal IBDFAM - http://www.ibdfam.org.br/

sexta-feira, 9 de março de 2012

BULLYING

Eric Debarbieux fala sobre o combate ao bullying

Especialista francês defende que duas condições são essenciais para que as escolas lidem com problemas como o bullying: a estabilidade do corpo docente e a construção de um bom clima


Bullying tem solução
Eric Debarbieux. Foto: Delphine Barreau
Eric Debarbieux
 
A violência nas escolas só pode ser enfrentada se tratada em profundidade, com formação docente específica, incentivo à solidariedade e aumento da proximidade entre professores e alunos. Essa é a avaliação do especialista francês Eric Debarbieux, autor do primeiro plano nacional de combate ao bullying nas escolas da França. Câmeras de vídeo? Detectores de metais? "São inúteis", de acordo com o autor de obras como Violência na Escola: Um Desafio Mundial e Os Dez Mandamentos Contra a Violência na Escola. Há sete anos Debarbieux dirige o Observatório Internacional da Violência nas Escolas, em Bordeaux, cargo que ocupou após realizar uma ampla pesquisa no Brasil, onde foi diretor de Pesquisa e Avaliação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A experiência, realizada com 11,5 mil estudantes, lhe permitiu traçar um perfil do problema nas escolas brasileiras.

Que tipo de atos se enquadram no termo violência escolar?
Eric Debarbieux
Fatos mais marcantes, como o massacre do Realengo (episódio em que um ex-aluno entrou armado em uma escola municipal do Rio de Janeiro em abril de 2011 e matou a tiros 12 estudantes), mas principalmente as violências cotidianas que têm como característica a repetição. No mundo inteiro, um grande número de alunos sofre com ações desse tipo diariamente. E elas podem ser banais, como receber um apelido maldoso ou sofrer pequenos empurrões. As pesquisas apontam que, embora sejam atos relativamente simples, envolvendo alunos ou professores, o fato de eles se repetirem à exaustão é grave. A violência explícita, com agressões físicas ou mortes, é muito excepcional e infelizmente difícil de neutralizar porque constitui crimes como outros quaisquer.

É possível determinar as causas desse problema?
Debarbieux
Elas são múltiplas e determinadas pela soma de certo número de fatores de risco presentes no cotidiano dos envolvidos. Um deles é o pessoal, ligado ao temperamento de cada um, mas também influenciado pelas relações familiares e pelo meio social. Outro elemento importante é o ambiente da escola. Por exemplo, a estabilidade da equipe docente e a clareza das regras escolares são aspectos determinantes para que se alcance a proteção almejada. Na França, identificamos que as escolas mais problemáticas são aquelas que têm o corpo docente mais instável. Sem um grupo perene e que conviva de forma sadia, é difícil fazer algo contra a violência escolar. É uma questão de solidariedade e de exposição ao risco: você fica menos exposto quando integra um grupo que seja solidário.

O professor, de modo geral, é um profissional preparado para lidar com a violência na escola?
Debarbieux
Debarbieux Esse é um dos pontos essenciais a debater. Na maioria dos países, faltam docentes capacitados para enfrentar essa situação difícil. Fico impressionado com o fato de que os professores passem a vida trabalhando como líderes, tendo que manter o controle da classe, sem receber nenhuma formação específica para isso. É inacreditável, inclusive, porque as violências escolares surgem quase sempre dentro dos grupos de estudantes.

O tipo de violência escolar mais popular no mundo hoje é o bullying?
Debarbieux
Certamente. De acordo com nossas estimativas, a média mundial de alunos atingidos pelo problema fica entre 7 e 15%. Os graus de violência são diferentes. Segundo um grande estudo que fiz no Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), na França, cerca de 11% dos estudantes sofrem bullying, e 5% deles de uma forma severa.

A solução está na gestão da escola?
Debarbieux
Sim. O modo como uma escola é gerenciada e a atenção que os adultos dão ao bullying têm um grande impacto sobre os efeitos dessa violência. Sabe-se que há uma ligação muito forte entre a qualidade do clima e das relações pessoais na escola e a ocorrência de casos desse tipo.

Existem países em que o bullying não se manifesta na escola?
Debarbieux
Não. Entretanto os casos nos países do norte da Europa diminuíram em mais da metade em relação à média europeia desde que os governos assumiram um papel-chave para lutar contra isso, há mais de 20 anos. O Reino Unido também seguiu a mesma linha de adoção de políticas de prevenção. Mesmo assim, não podemos nos dar o direito de parar de evoluir. O fato de tratarmos violências menores não significa que estejamos lidando com uma coisa pequena e sem importância. As pesquisas mostram que, em termos de atos mais graves, como os que envolvem matanças nos Estados Unidos, 75% dos alunos que foram à escola armados e mataram colegas eram vítimas de bullying.

DISPONIVEL EM: http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/eric-debarbieux-fala-combate-ao-bullying-669588.shtml

sábado, 3 de março de 2012

RECONHECIMENTO DE FILHOS E CNJ

Procedimento para reconhecer paternidade é regulamentado em todo País
 
Todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros têm mais um incentivo para ter o nome do pai em sua certidão de nascimento. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou no dia 17 o Provimento nº16 que permite que mães, mesmo sem a presença do homem, possam registrar seus filhos. Essa iniciativa pode beneficiar os quase 5 milhões de estudantes brasileiros (dado do Censo Escolar de 2009) que não têm a paternidade reconhecida.

Além de mães, pessoas maiores de 18 anos que não têm o nome do pai no registro civil poderão procurar os cartórios e indicar o nome do genitor. Após a indicação, o juiz escutará a mãe e notificará o pai. Se o reconhecimento não for espontâneo, o Ministério Público ou a Defensória Pública irá propor a ação de investigação de paternidade.


Direito à identidade - As consequências do não reconhecimento de paternidade são severas. De acordo com a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), isso retira do filho o direito à identidade, o mais significativo atributo da personalidade. Ainda segundo Berenice, isso afeta o desenvolvimento da pessoa que deixa de contar com o auxilio de quem deveria assumir as responsabilidades parentais. "A mãe acaba onerada por assumir sozinha um encargo que não é só seu". 

Trabalho árduo - Não é a primeira vez que o CNJ busca reverter a situação de crianças, jovens e adultos que não têm a paternidade reconhecida. Em 2010 o Provimento n° 12 determinou que as corregedorias dos tribunais informassem aos juízes os nomes dos alunos que não têm o nome do pai no registro civil.

Desde então, iniciativas para regularizar esta situação se espalharam pelo Brasil. Na Bahia, o projeto Pai Presente já realizou, de acordo com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), 320 reconhecimentos de paternidade em três etapas de atuação. A próxima fase começa em março.

Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) inaugurou em agosto um Centro de Reconhecimento de Paternidade que atende mulheres que desejam regularizar a situação de seus filhos. Em Mato Grosso, o TJ já realizou quatro mutirões de reconhecimento de paternidade, em cada ação são realizadas uma média de 100 audiências.

Confira aqui a íntegra do provimento.

24/02/2012 | Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

STF deve avaliar constitucionalidade da Lei Maria da Penha

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar hoje dia 8, a Ação Declaratória de Constitucionalidade 19 (ADC/19) da Lei Maria da Penha (11.340/2006). Os ministros devem avaliar alguns artigos que têm gerado divergências de interpretação nos tribunais de todo o País. A ADC/19 foi apresentada pela Presidência da República por meio da Advocacia Geral da União (AGU), com o objetivo de reiterar a constitucionalidade de todos os artigos da Lei Maria da Penha.

São três pontos que podem ser apreciados: o respeito ao princípio da igualdade entre homens e mulheres; a autonomia político-legislativa de cada estado; e garantir de que os casos que envolvem violência contra as mulheres não sejam tratados da mesma forma que crimes de menor potencial ofensivo.

 
Igualdade - A lei prevê punição apenas em casos de violência contra a mulher, sem mencionar o homem, o que causa discussão no meio jurídico. De acordo com a petição elaborada pela Presidência, "a distinção de tratamento revela-se, assim, plenamente justificada, tendo em conta situação social a que continuam sujeitas as mulheres, inexistindo, portanto, afronta ao princípio de igualdade".
Divisão de poder - Outro ponto da legislação que é questionado no campo jurídico é a regulamentação por parte da União de como os estados devem agir em caso de violência doméstica. Para alguns, seria de competência de cada estado definir o procedimento legal nesses casos.
Conforme a petição, "a alegação se mostra improcedente, visto que compete privativamente à União legislar sobre Direito Processual de forma a conferir tratamento uniforme a determinada questão, em especial as que extrapolam os interesses regionais dos Estados , como é o combate internacional à violência doméstica familiar ou contra as mulheres".
Ainda sobre essa questão a Presidência da República lembra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou aos tribunais de Justiça a criação dos juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, através da Recomendação n°9, de 6 de março de 2007.
Afastamento de institutos despenalizadores - Ainda persistem dúvidas na interpretação da lei que coíbe a violência doméstica contra a mulher. A Presidência quer reiterar que a Lei Maria da Penha afasta os institutos despenalizadores como aqueles previstos na Lei 9.099/95. Assim, não é possível, por exemplo, que crimes de violência contra a mulher sejam julgados por juizados especiais que apreciam crimes de menor potencial ofensivo, mas tão somente pela Justiça criminal/civel enquanto não forem estruturados juizados de violência doméstica contra a mulher.
O STF admitiu o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) como terceiro interveniente devido à pertinência temática institucional. Para a diretoria do IBDFAM, a realidade social brasileira clama por um instrumento legal, do porte da Lei Maria da Penha, para que os direitos fundamentais à igualdade, à integridade física, moral e psicológica, bem como a uma convivência familiar sejam efetivamente salvaguardados e tutelados de forma a concretizar o postulado maior da dignidade da pessoa humana.
 
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

RECONCILIAÇÃO

Amor e futebol se encontram na audiência de separação


Sempre me senti muito desconfortável quando, nas separações consensuais, a lei me obrigava a perguntar ao casal se eles tinham certeza da decisão tomada.
Ora, se procuraram um advogado, estabeleceram as cláusulas da separação e ali estavam, na frente de um juiz pra encurtar aquele período de desgaste, o que se esperava que fossem responder?
Tratava, então, de diminuir o constrangimento e começava, assim, as audiências:
— Desculpem, não quero parecer invasiva ou inconveniente, mas a lei manda que eu pergunte se vocês querem mesmo se separar.
Então prosseguia perguntando se eles ratificavam o acordo para, no mesmo ato, decretar a separação. Simples, rápido, sem qualquer rito especial exceto pela exposição pública da frustração daqueles mortais que percebiam que a felicidade perene, o até que a morte nos separe chegava ao fim sem pompa, sem música, sem convite e sem festa.
Dependendo do casal e do clima, me permitia um ou outro comentário pra aliviar a tensão e reduzir a dor da perda. Sim, porque nossa tendência, após anos trabalhando na mesma atividade é perder a capacidade de individualizar as dores e os conflitos que chegam às nossas mesas. Cada processo é um processo. Cada casal é um casal. Cada fim de casamento é um fim de mundo e cada audiência é única para aqueles que comparecem diante de um juiz e expõem as frustrações pela incapacidade de viver um grande amor.
É uma pena que o amor não acabe ao mesmo tempo para os dois. O amor acaba e ninguém avisa isso pra ninguém que pretende se casar. E a percepção do fim acontece de repente. Não se consegue estabelecer uma data, um fato, um porquê, mas de uma hora pra outra alguém constata que não dá um beijo na boca do outro há mais de um mês. Os prazeres tomam caminhos solitários e um não consegue sequer saber o que comove ou sensibiliza seu companheiro.
A rotina, a falta de dinheiro, problemas com os filhos adolescentes, desemprego, stress, cansaço, a crise política, tudo parece conspirar para mascarar o diagnóstico e retardar a terrível constatação captada com perfeição pelo poeta... o nosso amor acabou, que coincidência é o amor, a nossa música nunca mais tocou...
Daí pra frente, o casamento vira uma espécie de prorrogação, de terceiro tempo sem tempo pra terminar e dependendo da capacidade de suportar a vida pintada em bege, as relações podem até mesmo durar pela vida toda.
Tenho observado que nos processos de separação, quando não há uma nova paixão avassaladora, as decisões são, na maioria das vezes, tomadas pelas mulheres. Observo, também, que quando a separação importa na redução da capacidade financeira, os casais têm optado pela manutenção da relação e procurado formas de convívio menos dolorosas.
Foi, portanto, com algum estranhamento, que vi entrar na sala de audiências o contador Robério e professora aposentada Idalina.
Trinta e oito anos de casamento, quatro filhas, todas casadas, seis netos, nenhum patrimônio para partilhar, nenhum pedido de pensão alimentícia.
Na petição inicial nenhum ressentimento declarado ou qualquer imputação de culpa. Pretendiam a separação por incompatibilidade de gênios.
Formulei, então, a burocrática pergunta: Querem mesmo se separar ou há possibilidade de reconciliação?
Silêncio. Idalina baixou a cabeça encorajando Robério a se expressar.
— Ninguém quer se separar não, excelentíssima. Nem sei porque viemos aqui.
Estava tão acostumada com a repetição que, confesso, não sabia como prosseguir. Tentei me manter impávida e voltei à abordagem:
— Bem, se não querem se separar por que entraram com a ação?
— Essa mulher tá com a cabeça virada. Mas a gente já se acertou, aliás, passamos uma noite maravilhosa..., disse Robério mal conseguindo conter o orgulho da virilidade naquela idade.
Idalina nada falava. Parecia distante e perdida. Decidi ser mais firme em apoio ao que imaginei fosse o desejo daquela mulher.
— Olha seu Robério. Eu sei que esta decisão é muito difícil, que vocês viveram muitos anos juntos, mas, quando os dois não querem, acho impossível continuar casado. Vocês têm uma família grande, netos, mas quem sabe não é melhor cada um seguir sua vida, não é dona Idalina?, perguntei, cúmplice.
Pela primeira vez ela tomou as rédeas da situação e foi firme na intervenção:
— Não é melhor não, doutora, melhor mesmo é continuar com ele.
Ela não sorria, não esboçava qualquer sinal que indicasse a felicidade do reencontro. Imaginei que pudesse estar pressionada ou submetida ao poder daquele que exerceu o controle de uma vida inteira.
Decidi que seria solidária e transmitiria à Idalina, a segurança que ela tanto precisava.
É claro que aquele comportamento não integrava meus deveres funcionais. No entanto, a magistratura era uma das muitas funções que eu exercia na vida e é claro que todas as minhas virtudes e vícios transpareciam de alguma forma no exercício da profissão. Naquela ocasião atuei parcialmente em favor de Idalina para compensar as diferenças daquela relação que intui tão desigual e prossegui:
— O respeito é sempre muito importante. E vocês devem continuar sendo amigos. Se as coisas mudarem, quem sabe até voltam a namorar?
Idalina me interrompeu.
— Eu não quero me separar mas preciso falar umas coisas. Por isso vim aqui.
Robério coçou a cabeça como uma criança que se prepara para um sermão.
— Eu não agüento mais tanta falta de atenção. Eu só quis me separar porque me sinto muito sozinha. As crianças foram embora. A casa tá vazia. A gente mal se fala. Almoço e janta com a televisão ligada. Tudo que eu falo ele não escuta. Mas a gota d’agua é o futebol. Eu não suporto futebol todo dia. Enquanto ele assistia o jogo no mês passado, disse que estava saindo de casa. Sabe o que ele respondeu? Nada. Pediu que eu saísse da frente porque tinha sido impedimento... Dá pra acreditar? Impedimento?!!! Naquela mesma noite fui pra casa da minha filha e no dia seguinte procurei o advogado.
— Mas, D. Idalina, há quanto tempo ele assiste futebol?, perguntei.
— A vida toda. Mais de vinte anos...
Não pude conter o riso. Pensei em meu pai e sua paixão alucinada pela peleja. Avaliei os riscos que corria.
Ela prosseguiu:
— Ele é um homem bom, doutora. A gente lutou muito junto. Toda a vida e a gente nunca se largou. Ele nunca teve mulher na rua.
Robério, verdadeiramente sensibilizado olhou para Idalina e quase num sussurro a fez lembrar da aquisição da casa, da única viagem de férias a Cabo Frio, da perda do filho homem num acidente de carro e do quanto, juntos, eles dividiram toda a vida.
Os dois, de mãos dadas sobre a mesa, choravam.
Eu tentava me socorrer do conhecimento jurídico para retomar o rumo daquela audiência e só lembrava dos filmes e romances que lera pela vida a fora.
Entendi que sabia muito pouco da vida. Aquele casal se amava e esperava que da minha autoridade viesse uma resposta para o abismo que ali se instalou. Achei que não podia decepcioná-los.
— Olha aqui pessoal. Eu não vou separar vocês não. A gente combina o seguinte: suspendo o processo por 60 dias. Nesse período, o Seu Robério só assiste aos jogos do Flamengo. No resto do tempo, vocês saem, passeiam um pouco pela cidade, almoçam domingo na casa das filhas, ajudam com os netos. Tá bom assim?
Aliviados, os dois nem me olharam. Estavam encantados um pelo outro.
Nem o advogado nem o Ministério Público discordaram de decisão tão teratológica. Quem ousaria depois de presenciar tanto mistério?
Antes de sair, já do lado de fora da porta, Idalina me olha e sorrindo pergunta:
— É só jogo do Flamengo mesmo, né, doutora?

*Esta crônica faz parte de uma experiência literária da juíza Andréa Pachá que, junto com outros textos, deverá em breve se transformar em livro.

Andréa Pachá é juíza de Direito em Petrópolis (RJ) e ex-conselheira do Conselho Nacional de Justiça.


SUGESTÃO DE DOUTRINA

  • GAGLIANO, Plablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil
  • CHAVES, Cristiano & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil
  • MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, tomos 1 a 4, Bookseller
  • GOMES, Orlando. “Introdução do Direito Civil”. Rio de Janeiro: Forense.
  • PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil
  • DIREITO CIVIL BRASILEIRO. Carlos Roberto Gonçalves. Editora Saraiva Volumes: 01 a 03.
  • DIREITO CIVIL. Silvio de Salvo Venosa. Editora Atlas. Volumes: 1 a 7.
  • CURSO DE DIREITO CIVIL. Maria Helena Diniz. Editora Saraiva. Volumes 1 a 7.
  • CURSO DE DIREITO CIVIL. Washington de Barros Monteiro. Editora Saraiva. Volumes: 1 a 6.
  • DIREITO CIVIL. Silvio Rodrigues. Editora Saraiva. Volumes: 1 a 7.

Mandamentos do Advogado

Eduardo Couture

ESTUDA - O Direito se transforma constantemente. Se não seguires seus passos, serás cada dia um pouco menos advogado;

PENSA - O Direito se aprende estudando, mas exerce-se pensando;

TRABALHA - A advocacia é uma luta árdua posta a serviço da Justiça;

LUTA - Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça;

SÊ LEAL - Leal com teu cliente, a quem não deves abandonar senão quando o julgares indigno de ti. Leal com o adversário, ainda que ele seja desleal contigo. Leal com o Juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que dizes;

TOLERA - Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua;

TEM PACIÊNCIA - O tempo se vinga das coisas que se fazem sem a sua colaboração;

TEM FÉ - Tem fé no Direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na Justiça, como destino normal do Direito; na Paz, como substituto bondoso da Justiça; e sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz;

ESQUECE - A advocacia é uma luta de paixões. Se a cada batalha, fores carregando a tua alma de rancor, dia chegará em que a vida será impossível para ti. Terminando o combate, esquece tanto a vitória como a derrota; e,

AMA A TUA PROFISSÃO - Trata de considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te peça conselhos sobre o destino, consideres uma honra para ti propor-lhe que se faça advogado.