quarta-feira, 1 de agosto de 2012

JURISPRUDENCIA: REDESIGNAÇÃO DO GÊNERO NO REGISTRO CIVIL




EMENTA: ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - TRANSEXUAL - REDESIGNAÇÃO DO GÊNERO NO REGISTRO CIVIL - INEXISTÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO DE UMA PREVISÃO QUE TORNE O PEDIDO INVIÁVEL - ART. 1º, III, ART. 3º, IV E ART. 5º, X DA CF/88 - PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE. - Se não existe no ordenamento jurídico qualquer vedação à alteração de registro de pessoa transexual, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido, que é encontrada nos princípios e valores que a Constituição da República sobreleva. Seguindo-se os preceitos constitucionais, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da República Federativa do Brasil, constitui diretriz que deve nortear a alteração de registro civil de transexual. A Carta Magna objetiva em seu art. 3° promover o bem de todos sem qualquer preconceito de sexo e salienta no inc. X de seu art. 5° ser inviolável a intimidade, a honra e a vida privada de uma pessoa. Deve-se, desta forma, adaptar a designação sexual e o prenome à nova situação do cidadão. - O principio da veracidade que norteia o registro público impõe que seja feita a anotação à sua margem de que se trata de averbação feita por ordem judicial.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0647.07.081676-2/001 - COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): M.A.C. - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE



ACÓRDÃO



VOTO



Trata-se de recurso de apelação proposto à f. 231/246 pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, nos autos da ação de Alteração de Registro Civil movida por M. A. C. no intuito de reformar a sentença de f. 199/224, que julgou procedente o pedido inicial para autorizar as retificações do nome e do sexo do autor em seu assento civil, transformando seu nome original em M. V. C., e o seu sexo original registrado para feminino. Determinou ainda que no assento civil do autor seja consignada a averbação de que seu nome e sexo foram alterados por decisão judicial.



Verifica-se nos autos que o embargante interpôs embargos de declaração à fls. 229/230 requerendo fosse a averbação da alteração do seu nome e de seu sexo expressa apenas no livro A-016, fls. 282-v, termo n° - 17068 do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Itaquera - Comarca da capital de São Paulo, e não na via que será entregue ao embargante. À fls. 248/249 o juiz decidiu por acolher os embargos e corrigir a omissão.

Nas suas razões recursais, o apelante afirma que a sua insatisfação se dá apenas quanto à procedência do pedido do autor de alteração no registro civil da designação do sexo de masculino para feminino. Afirma que o fato de o autor ter se submetido à cirurgia de transgenitalização não o torna, do ponto de vista genético, pessoa do sexo feminino e que desta forma não há respaldo em nosso ordenamento jurídico para a procedência do pedido. Salienta que tal alteração poderia induzir muitas pessoas ao erro, gerando inúmeros reflexos sobre a vida de terceiros. Requer seja dado provimento ao recurso para modificar a sentença parcialmente, permanecendo inalterado o seu sexo original.



Em contrarrazões, à f. 251/257, alega o apelado, em síntese, que a manutenção da sentença é imprescindível para a implementação da efetiva dignidade da pessoa humana, protegendo-se dessa forma a sua intimidade, imagem, individualidade, honra e vida privada. Assevera que nome e sexo são direitos da personalidade por excelência. Requer desta forma seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença ora hostilizada na íntegra.



Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.



Inexistindo preliminares, passo ao exame do mérito.



Observa-se que o apelante alega que não há respaldo em nosso ordenamento jurídico para que possa ser acolhido o pedido do autor, qual seja, alterar sua designação sexual nos seus documentos.



Sabe-se que a impossibilidade jurídica pode surgir de forma expressa, quando a lei textualmente proíbe determinada pretensão, e pode ainda decorrer de impedimento implícito, quando o provimento requerido não puder ser atendido em face de estar subentendida a sua vedação, por afronta aos princípios básicos do nosso sistema jurídico ou pelo próprio ordenamento legal cujas determinações se mostrem contrárias à pretensão.



Desta forma, MONIZ DE ARAGÃO ensina que:



"uma ação pode ser rejeitada porque o autor não praticara ato prévio, sem o qual lhe era vetado o seu exercício'. Resume seu ponto de vista pela seguinte forma: 'A possibilidade jurídica, portanto, não deve ser conceituada como se tem feito, com vistas à existência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma previsão que o torne inviável. Se a lei contiver um tal veto, será caso de impossibilidade jurídica do pedido; faltará uma das condições da ação', a solução se encontra no art. do CC, que dá ao proprietário o direito de defender a sua propriedade erga omnes, propriedade que se adquire com o contrato de compra e venda".



O pedido formulado pelo autor na ação em questão é de alteração de prenome, bem como a redesignação sexual. Ora, sabe-se que não existe no ordenamento jurídico qualquer vedação à alteração de registro quando se trata de transexual, não havendo que se falar em impossibilidade jurídica do pedido. Pela inexistência de leis que regulem o caso específico, os juristas devem se valer dos princípios constitucionais e da hermenêutica jurídica.



Para fazer as necessárias considerações acerca do tema em questão, vale expor os direitos fundamentais e personalíssimos e sua relação com a alteração de registro.



Ratifica-se a importância dedicada aos direitos individuais, social, princípio da dignidade da pessoa humana e os objetivos da República, salientando que são suporte para a alteração do registro. Sendo a Constituição a Lei Maior, a interpretação das normas infraconstitucionais deve ser baseada em seus ditames. A interpretação das normas terá, neste processo de redesignação do estado sexual, fundamental importância.



Neste sentido é importante citar alguns artigos da Constituição Federal de 1988:



"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:



III - a dignidade da pessoa humana;"



"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:



IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."



"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:



X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"



Cite-se ainda o art. 1º do Código Civil de 2002:



"Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil."



Pelo acima explicitado, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da República Federativa do Brasil, consagrada no art. 1º, III, da CRFB, constitui diretriz que deve nortear a alteração de registro civil de transexual.

Primeiramente deve-se entender o sentido de direitos e garantias fundamentais. São os desdobramentos imediatos dos princípios fundamentais, previstos na Carta Magna. Valioso memorar que compõem a integridade moral aqueles direitos elencados no artigo 5º, X, da CRFB. A integridade moral requer o respeito dos demais às características da pessoa. Se o indivíduo, por encontrar-se em situação limítrofe no concernente à sexualidade, é incapaz de integrar-se socialmente, em decorrência do constante conflito entre o seu ser e o dever ser social, não há porque negar-lhe a redesignação sexual em seus documentos.



Saliento ainda que são princípios fundamentais os objetivos da República (art. 3º, CRFB). Destaca-se o inciso IV que exalta a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E se somos iguais, sendo humanos, logo este direito à realização pessoal que frisamos não poderia deixar de competir ao autor. Por isso, consagrado o objetivo da República constante do artigo 3º, IV, da CRFB.



Resta, então, ao recorrido transexual operado, a disparidade entre o que foi registrado e o que se apresenta no mundo dos fatos. Inicia-se, após o ajustamento do físico ao psíquico, agora com propriedade para tal reivindicação, o pleito pelo ajuste jurídico à sua nova situação fática.



O registro civil do nascimento dota de formalidade e publicidade aquele fato jurídico que é o nascimento, início da personalidade civil. De acordo com nosso Código Civil, "toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil" (art. 1º).



Saliento desta forma que os estados individuais descritos nos documentos, em geral, como, por exemplo, sexo, idade, nome e nacionalidade, são atributos da personalidade, ou seja, integram-na. E, por isso, são protegidos pelos direitos da personalidade.



Ocorre que, o apelado, quando do seu nascimento, no registro civil, foi classificado segundo o seu aspecto externo como pertencente ao sexo masculino. Vale fazer a ressalva de que a avaliação da fisionomia não é a única para a determinação do sexo de um indivíduo, sendo essencial apreciar os aspectos psíquicos e comportamentais.



Assevero que os direitos da personalidade garantirão ao autor o direito à alteração do seu registro civil, adaptando a designação sexual e o prenome à nova situação do indivíduo. O grande poder que reveste os direitos da personalidade reside no amparo destes pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB).



Nesse mesmo sentido há entendimento do STJ:



Conforme assinalado por esta Corte na Sentença Estrangeira n.2.149/IT, "a jurisprudência brasileira vem admitindo a retificação do registro civil de transexual, a fim de adaptar o assento de nascimento à situação decorrente da realização de cirurgia para mudança de sexo".( Processo SE 004179 Relator(a) Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data da Publicação 15/04/2009).



Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana. - Sob a perspectiva dos princípios da Bioética - de beneficência, autonomia e justiça -, a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual. - A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade. - A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana - cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano. - Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto. - Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo em perspectiva a transformação estrutural por que passa a família, que hoje apresenta molde eudemonista, cujo alvo é a promoção de cada um de seus componentes, em especial da prole, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana. - A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo. - Conservar o "sexo masculino" no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente. - Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido. - Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73. - Deve, pois, ser facilitada a alteração do estado sexual, de quem já enfrentou tantas dificuldades ao longo da vida, vencendo-se a barreira do preconceito e da intolerância. O Direito não pode fechar os olhos para a realidade social estabelecida, notadamente no que concerne à identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo aspecto da vida privada da pessoa. E a alteração do designativo de sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão importante quanto a adequação cirúrgica, porquanto é desta um desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar. - Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e digna. - De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar "imperfeições" como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado. Recurso especial provido. ( REsp 1008398/SP Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 15/10/2009).



REGISTRO PÚBLICO. MUDANÇA DE SEXO. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SUMULA N. 211/STJ. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO. DECISÃO JUDICIAL. AVERBAÇÃO. LIVRO CARTORÁRIO. 1. Refoge da competência outorgada ao Superior Tribunal de Justiça apreciar, em sede de recurso especial, a interpretação de normas e princípios de natureza constitucional. 2. Aplica-se o óbice previsto na Súmula n. 211/STJ quando a questão suscitada no recurso especial, não obstante a oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pela Corte a quo. 3. O acesso à via excepcional, nos casos em que o Tribunal a quo, a despeito da oposição de embargos de declaração, não regulariza a omissão apontada, depende da veiculação, nas razões do recurso especial, de ofensa ao art. 535 do CPC. 4. A interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual operado obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive. 5. Não entender juridicamente possível o pedido formulado na exordial significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade. 6. No livro cartorário, deve ficar averbado, à margem do registro de prenome e de sexo, que as modificações procedidas decorreram de decisão judicial. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido. ( REsp 737993/MG Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 10/11/2009).



Deter-se o julgador a uma codificação generalista, padronizada, implica retirar-lhe a possibilidade de dirimir a controvérsia de forma satisfatória e justa, condicionando-o a uma atuação judicante que não se apresenta como correta para promover a solução do caso concreto, quando indubitável que, mesmo inexistente um expresso preceito legal sobre ele, há que suprir as lacunas por meio dos processos de integração normativa, pois, atuando o juiz supplendi causa, deve adotar a decisão que melhor se coadune com valores maiores do ordenamento jurídico, tais como a dignidade das pessoas. Sendo assim, sem perder de vista os direitos e garantias fundamentais expressos da Constituição de 1988, especialmente os princípios da personalidade e da dignidade da pessoa humana e, levando-se em consideração o disposto nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, entendo que deve ser deferida a mudança do sexo (de "masculino" para "feminino") que consta do registro de nascimento, adequando-se documentos e, logo, facilitando a inserção social e profissional. (Processo REsp 876672 Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Data da Publicação 05/03/2010.)



Há também vasta Jurisprudência deste egrégio Tribunal:



APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE PRENOME. EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO. DESIGNAÇÃO DE SEXO OPOSTO. POSSIBILIDADE. A atribuição de nome que designe pessoa do sexo oposto à do portador causa constrangimentos, devendo ser autorizada a sua alteração para outro mais comum e que designe pessoas do sexo de quem o detém. Recurso provido. (Apelação: 1.0342.06.078478-8/001(1), Relatora: Des. (a) HELOISA COMBAT)



RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO -TRANSEXUAL SUBMETIDO À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO - ALTERAÇÃO DO PRENOME E DESGINATIVO DE SEXO - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE - RECURSO PROVIDO ''- Conservar o 'sexo masculino' no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente. - Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido''. (REsp 1008398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 18/11/2009). (Apelação: 1.0024.09.672096-6/001(1), Relator: Des. (a) ALVIM SOARES)



Também em outros Estados este entendimento tem se solidificado:



TJRS. 1. Processo civil. 2. Registro público. 3. Registro civil. Assento de nascimento. Retificação. - alteração de prenome. Transexualismo. - admissibilidade. - alteração de sexo. - deferimento do pedido. 4. Juiz. Decisão da lide. - lacuna ou obscuridade. Aplicação dos princípios gerais do direito e regras de estatutos similares. - analogia. Aplicação. 5. Intervenção cirúrgica. Alteração de sexo. Efeitos. 6. Direito individual. Direito à identidade pessoal. Considerações sobre o tema. 7. Transexual. Alteração de nome. Identidade sexual. Registros Públicos 8. Caso Rafaela. (Apelação cível nº 593110547. Relator: Luiz Gonzaga Pila Hofmeister. Porto Alegre, 10 de março de 1994).



TJSP. Registro civil - Pedido de alteração do nome e do sexo formulado por transexual primário operado - Desatendimento pela sentença de primeiro grau ante a ausência de erro no assento de nascimento - Nome masculino que, em face da condição atual do autor, o expõe a ridículo, viabilizando a modificação para aquele pelo qual é conhecido (Lei n. 6015/73, artigo 55, parágrafo único, combinado com artigo 109) - Alteração do sexo que encontra apoio no artigo 5º, X, da Constituição da República - Recurso provido para se acolher a pretensão. É função da jurisdição encontrar soluções satisfatórias para o usuário, desde que não prejudiquem o grupo em que vive, assegurando a fruição dos direitos básicos do cidadão. (Apelação Cível nº 165.157-4, da Quinta Câmara de Direito Privado. Relator: Boris Kauffmann. São Paulo, 22 de março de 2001).



TJRJ. Apelação. Registro civil. Retificação do registro de nascimento em relação ao sexo. Passando, a pessoa portadora de transexualismo, por cirurgia de mudança de sexo, que importa na transmutação de suas características sexuais, de ficar acolhida a pretensão de retificação do registro civil, para adequá-lo à realidade existente. A constituição morfológica do individuo e toda a sua aparência sendo de mulher, alterado que foi, cirurgicamente, o seu sexo, razoável que se retifique o dado de seu assento, para "feminino", no registro civil. O sexo da pessoa, já com o seu prenome mandado alterar para a forma feminina, no caso concreto considerado, que é irreversível, deve ficar adequado, no apontamento respectivo, evitando-se, para o interessado, constrangimentos individuais e perplexidade no meio social. As retificações no registro civil são processadas e julgadas perante o Juiz de Direito da Circunscrição competente, que goze da garantia da vitaliciedade, e mediante processo judicial regular. A decisão monocrática recorrida não contém nulidade insanável. Preliminares rejeitadas. Recurso, quanto ao mérito, provido, para ficar modificado, parcialmente, o julgado de 1º grau. (Apelação Cível nº 2002.001.16591, da Décima Sexta Câmara Cível. Relator: Ronald Valladares. Rio de Janeiro, 25 de março de 2003).



Enfim, trata-se de uma realidade que aí está e não pode ser desprezada, devendo ser considerada em toda a sua plenitude, para que não restem meias soluções e meias medidas. Se a medicina pode buscar e aplicar soluções nesses casos, não pode o Judiciário negar o seu implemento final, com a positivação no documento da situação que já existe de fato.



Decidir pela reforma da sentença e manter a designação do autor como sendo do sexo masculino imporia barreira para a realização da sua identidade sexual. Afinal, seria extremamente humilhante ser reconhecido por um nome que não condiz com seu gênero sexual.



Faço uma observação sobre o acerto da sentença, pois o registro deve constar a verdade dos fatos, nada podendo omitir. A averbação de que a modificação adveio de ordem judicial visa preservar a realidade fática, de modo a proteger os interesses de terceiros, dando-lhes a segurança de que as informações constantes dos registros públicos correspondem à realidade e decorre do princípio da veracidade, que norteia os registros públicos.



Aliás, essa modificação por que passou o requerente, com a averbação, vem atender precisamente a esse princípio da veracidade, resguardando aos que com ele possam conviver e que não serão induzidos a erro quanto ao seu sexo, visto que a averbação faz essa ressalva.



Assim, a determinação de que conste à margem do registro a averbação de que as modificações referentes ao sexo e ao nome e prenome decorreram de decisão judicial preserva a veracidade de que goza o registro público. Esta averbação, ao contrário de demonstrar preconceito, demonstra respeito à condição humana criada, que não pode ser ocultada, resguardado o sigilo da anotação, nos moldes de praxe, o que foi determinado pelo MM. Juiz.



O contrário - deixar de modificar o registro - acarretaria a situação absurda de deixar constar no registro uma situação de fato que não mais existe.



Ressalto, ademais, o acerto da sentença, ao determinar que á margem do registro conste a averbação de que as modificações referentes ao sexo e nome decorreram de decisão judicial, em respeito aos direitos de terceiros na atualidade ou no futuro envolvidos, pois o registro deve constar a verdade dos fatos, nada podendo omitir, em atenção ao PRINCÍPIO DA VERACIDADE. Esta averbação, ao contrário de demonstrar preconceito, demonstra respeito à condição criada, um reconhecimento de que há fato científico reconhecido e protegido judicialmente, que não pode ser ocultado, resguardado o sigilo da anotação, nos moldes de praxe, mas sempre possibilitando o seu conhecimento a terceiros interessados, conforme determinado pelo MM. Juiz, que utilizou de cautela e atendeu aos princípios que regem ao registro público.



Diante do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo, in totum, a sentença prolatada em primeira instância.



Custas recursais, ex lege.

SUGESTÃO DE DOUTRINA

  • GAGLIANO, Plablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil
  • CHAVES, Cristiano & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil
  • MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, tomos 1 a 4, Bookseller
  • GOMES, Orlando. “Introdução do Direito Civil”. Rio de Janeiro: Forense.
  • PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil
  • DIREITO CIVIL BRASILEIRO. Carlos Roberto Gonçalves. Editora Saraiva Volumes: 01 a 03.
  • DIREITO CIVIL. Silvio de Salvo Venosa. Editora Atlas. Volumes: 1 a 7.
  • CURSO DE DIREITO CIVIL. Maria Helena Diniz. Editora Saraiva. Volumes 1 a 7.
  • CURSO DE DIREITO CIVIL. Washington de Barros Monteiro. Editora Saraiva. Volumes: 1 a 6.
  • DIREITO CIVIL. Silvio Rodrigues. Editora Saraiva. Volumes: 1 a 7.

Mandamentos do Advogado

Eduardo Couture

ESTUDA - O Direito se transforma constantemente. Se não seguires seus passos, serás cada dia um pouco menos advogado;

PENSA - O Direito se aprende estudando, mas exerce-se pensando;

TRABALHA - A advocacia é uma luta árdua posta a serviço da Justiça;

LUTA - Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça;

SÊ LEAL - Leal com teu cliente, a quem não deves abandonar senão quando o julgares indigno de ti. Leal com o adversário, ainda que ele seja desleal contigo. Leal com o Juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que dizes;

TOLERA - Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua;

TEM PACIÊNCIA - O tempo se vinga das coisas que se fazem sem a sua colaboração;

TEM FÉ - Tem fé no Direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na Justiça, como destino normal do Direito; na Paz, como substituto bondoso da Justiça; e sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz;

ESQUECE - A advocacia é uma luta de paixões. Se a cada batalha, fores carregando a tua alma de rancor, dia chegará em que a vida será impossível para ti. Terminando o combate, esquece tanto a vitória como a derrota; e,

AMA A TUA PROFISSÃO - Trata de considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te peça conselhos sobre o destino, consideres uma honra para ti propor-lhe que se faça advogado.