quinta-feira, 29 de agosto de 2013

ABANDONO AFETIVO E RESPONSABILIDADE CIVIL

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PATERNIDADE RECONHECIDA - OMITIDA PERANTE A SOCIEDADE EM INFORMATIVO LOCAL - CIDADE DE PEQUENO PORTE - REPERCUSSÃO GERAL - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - SENTENÇA MANTIDA. - A falta da relação paterno-filial, acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana. - Conforme entendimento jurisprudencial consolidado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, possível a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da criança - Inteligência do art. 227 da Constituição Federal. (TJMG, Apelação Cível nº .0144.11.001951-6/001, Rel Des. Wanderley Paiva, 11ª Câmara Cível, pub. 29/05/2013)
 
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PATERNIDADE RECONHECIDA - OMITIDA PERANTE A SOCIEDADE EM INFORMATIVO LOCAL - CIDADE DE PEQUENO PORTE - REPERCUSSÃO GERAL - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - SENTENÇA MANTIDA.
 
- A falta da relação paterno-filial, acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana.
 
- Conforme entendimento jurisprudencial consolidado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, possível a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da criança - Inteligência do art. 227 da Constituição Federal.
 
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0144.11.001951-6/001 - COMARCA DE CARMO DO RIO CLARO - APELANTE(S): J. A. A. - APELADO(A)(S): M. S. S. A., TATIANE P. S. E OUTRO(A)(S)
 
A C Ó R D Ã O
 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
 
DES. WANDERLEY PAIVA
 
RELATOR.
 
DES. WANDERLEY PAIVA (RELATOR)
 
V O T O
 
Trata-se de apelação interposta à sentença de fls. 137/150, proferida pelo MM. Juiz José Fernando Ribeiro de Carvalho Pinto da Secretaria do Juízo da Comarca de Carmo do Rio Claro que, nos autos da ação de indenização ajuizada por T. P. S. e M. S. S. A.l em face de J. A. A., julgou improcedente o pedido com relação à primeira autora, e parcialmente procedente com relação a segunda para condenar o réu ao pagamento de R$15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais, corrigidos desde o trânsito em julgado da sentença.
 
Em razão da sucumbência recíproca, condenou o réu ao pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação, e condenou a primeira autora ao pagamento dos 50% restantes, suspendendo a exigibilidade em razão dos benefícios da gratuidade judiciária.
 
Inconformado, o réu interpôs o presente recurso de apelação, fls. 156/165, sustentando em suas razões a inexistência de danos morais suportados pela apelada, uma vez que a reconheceu como filha, registrou-a, deu-lhe seu nome de família e paga pensão alimentícia, pelo que não há como sustentar a alegação de que tenta ocultar sua existência.
 
Afirma que desde que reconheceu a paternidade da apelada, foram poucas as oportunidades para se encontrarem, por residirem em cidades diferentes, mas que sempre fez questão de demonstrar seu afeto e carinho pela apelada, quando o encontro é possível.
 
Alega que o simples fato de não ter mencionado a apelada no informativo que apresentou sua biografia não é suficiente para comprovar que a excluiu de sua vida, ou mesmo que a trata com repulsa.
 
Aduziu que inexiste nos autos qualquer comprovação de que a apelada vem sofrendo com a publicação do informativo, e que cuidou em demonstrar que a freqüência e comportamento desta na escola não foram prejudicados, bem como que inexiste registro de atendimento médico hospitalar à menor.
 
Sustentou que ainda que caso se entenda caracterizado o abandono afetivo, o entendimento da jurisprudência é de que não existe direito a indenização por danos morais nestas situações.
 
Concluiu pugnando pelo provimento do recurso para a reforma integral da sentença.
 
Preparo regular, fls. 166.
 
Contrarrazões apresentadas pela apelada, fls. 171/177, requerendo a manutenção da sentença.
 
Despacho proferido por este Relator, determinando a remessa dos autos à I. Procurador de Justiça, fls. 182. Parecer da Procuradoria de Justiça, fls. 184/187.
 
É, em síntese, o relatório.
 
Cuidam os autos de ação de indenização por danos morais.
 
Narram as autoras, sendo a segunda filha do réu, e a primeira sua genitora, que o requerido ocultou a existência de sua filha, ora apelada, em informativo contendo sua biografia, pois se referiu aos seus dois filhos havidos na constância do casamento, deixando de fora a autora, fruto de uma relação extraconjugal, fato que lhe gerou humilhação e desgosto.
 
Defende-se o réu afirmando que os direitos objetivos de filho legítimo estão resguardados à menor, bem como o direito afetivo, pois em momento algum negou a sua existência.
 
Em sentença, entendeu por bem o Ilustre Julgador Monocrático em reconhecer a improcedência dos pedidos inicias com relação à primeira autora (genitora da segunda), e reconhecer o direito da segunda autora em ser indenizada pelo réu.
 
Apela o requerido.
 
Pois bem.
 
Antes de adentrarmos o cerne da lide, cumpre tecer algumas considerações acerca do instituto do dano moral.
 
Neste mister, muito embora seja o pedido de reparação por dano moral juridicamente possível, pois está previsto no ordenamento jurídico pátrio, esse dano deve ser decorrente da violação de um direito do autor. O Código Civil vigente, em seu art.186, prevê a possibilidade de reparação civil em razão de ato ilícito, inclusive quando o dano é exclusivamente moral.
 
No entanto, a possibilidade de indenização deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é considerado como aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano, que pode ser material ou exclusivamente moral. Em qualquer hipótese, porém, exige-se a violação de um direito da parte, da comprovação dos fatos alegados, dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta desenvolvida e o dano suportado.
 
Neste contexto, a responsabilidade civil e seus efeitos presumem lesão, ou seja, a violação à ordem jurídica, pois, caso contrário tratar-se-ia de ato corriqueiro, no qual a licitude da sua prática não ensejaria qualquer reparabilidade. E, como dito, para se falar em reparação deve-se observar três aspectos que são: primus, a ilicitude do ato praticado já que os atos regulares de direito não ensejam reparação; secundus, temos o dano, ou seja, a efetiva lesão suportada pela vítima. E ao cabo está a relação entre os dois primeiros, a relação existente entre o ato praticado e a lesão experimentada, ou seja, o nexo causal. Nesse último trata-se do iter entre o ato e o resultado, sem o qual impossível a reparação do dano ante a inexistência da relação fato-conseqüência.
 
Em resumo, a responsabilidade civil e seus efeitos presumem lesão, ou seja, a violação à ordem jurídica, pois, caso contrário tratar-se-ia de ato corriqueiro, no qual a licitude da sua prática não ensejaria qualquer reparabilidade.
 
No caso em exame, ao meu aviso, está bem clara a ofensa praticada pelo réu à moral da autora.
 
Isso porque, a ausência de citação do nome da apelada no informativo veiculado pela prefeitura e ao qual tiveram acesso todos os moradores da cidade onde o réu é prefeito, e autor do texto publicado importa em demonstração de desconsideração pública da pessoa da autora.
 
Ora, os filhos havidos na constância do casamento foram citados como motivo de satisfação para o réu, sendo que a autora nem ao menos foi mencionada. E sendo o texto em questão uma espécie de "biografia", a ausência de menção da autora demonstra a falta de interesse do requerido em reconhecê-la publicamente como sua filha.
 
Na peça de defesa apresentada pelo apelante, verifica-se a clara intenção deste de não tornar conhecida a paternidade da menina, para preservar o seu relacionamento conjugal e a sua imagem publica, in verbis:
 
"Como confessar publicamente uma infidelidade conjugal e ver isso publicado em uma biografia, expondo a constrangimento e vergonha, aí sim, a criança, que preconceituosamente seria apontada na rua e vista como alguém incomum? Isso sem falar na esposa do atual Prefeito que seria também submetida à humilhação e constrangimentos de toda ordem, porque, não é pelo fato desta perdoar e ainda conviver com o marido que sua honra, imagem, vida privada e intimidade tenham sido relegados à margem do que garanta a lei.
 
Como não preservar, em público, de constrangimento e dor moral TODAS as outras partes inocentes envolvidas, a esposa e os filhos havidos do casamento" (fl. 46)
 
 
 
No entanto, a apelada também deve ser incluída no rol dos inocentes envolvidos no episódio da infidelidade conjugal do réu, e ser protegida de qualquer violação à sua moral, ou aos seus direitos de filha legitima, assim como seus irmãos e sua madrasta.
 
Poder-se-ia ainda dizer que a simples omissão acerca da existência da autora não caracteriza qualquer ato ilícito por parte do réu, o que seria indispensável à configuração do dever de indenizar.
 
Contudo, nos termos dos ensinamentos de Silvio Sávio Venosa a responsabilidade civil se caracteriza "em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deve arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio jurídico danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar." (in Direito Civil: Responsabilidade Civil. 2005)
 
E, a falta da relação paterno-filial, agravada pela omissão pública da existência da autora, sem dúvidas, acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da Carta da República, e ainda, diretamente, ao art. 227 da Constituição Federal, que estabelece os direitos da criança e os deveres da família, in verbis:
 
 
 
"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
 
 
 
Também, no âmbito da legislação infraconstitucional, o art. 1.634 do Código Civil é clarividente ao mencionar os deveres dos pais, senão vejamos:
 
 
 
"Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
 
I - dirigir-lhes a criação e educação;
 
II - tê-los em sua companhia e guarda;(...)"
 
 
 
Vale também transcrever enunciado constante do Estatuto da Criança e do Adolescente:
 
 
 
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
 
 
 
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
 
 
 
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
 
 
 
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
 
 
 
E ainda, o art. 15 de referido Estatuto, garante a criança e ao adolescente o direito à liberdade, ao respeito, e a dignidade como pessoas humanas, sendo que na situação retratada nos autos, é nítido a falta de respeito com que a apelada foi tratada pelo seu genitor, que a excluiu de sua biografia.
 
No que diz respeito ao respeito garantidos às crianças e aos adolescentes, o art. 17 do ECA dispõe que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem e da identidade, e o art. 18, por sua vez, prevê que é dever de todos velar pela dignidade da criança, protegendo-a de qualquer tratamento vexatório ou constrangedor.
 
Neste ínterim, faltou o apelante com o seu dever de proteção, uma vez que além de não proteger a menor de tratamento vexatório, contribuiu para que sofresse constrangimento público.
 
Em que pese ter o apelante reconhecido a apelada como sua filha, o fez apenas formalmente, o que basta para a configuração do dano moral, especialmente considerando os efeitos de tal negativa em uma cidade pequena e conservadora, como ele próprio afirma.
 
Sobre o reconhecimento de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina, em seu art. 20, que terão os mesmos direitos e qualificações sendo proibida quaisquer designações discriminatórias, garantindo ainda no art. 26, o direito do filho em ser reconhecido pelos genitores.
 
Acerca da possibilidade de indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da criança, tem-se o respeitável entendimento da I. Ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi:
 
 
 
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.7. Recurso especial parcialmente provido.(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)
 
 
 
Acrescente-se que, quando da justificativa do Estatuto da Criança e do Adolescente, o saudoso Presidente Tancredo Neves assim se expressou:
 
 
 
"A criança é a nossa mais rica matéria prima. Abandoná-la à sua própria sorte ou desassisti-la em suas necessidades de proteção e amparo é crime de lesa-pátria."
 
Em arremate, importa ainda ressaltar que quando da concepção o apelante não tinha vergonha da mãe da apelada, mas agora que a infante veio ao mundo ele se sente envergonhado de dizer que é seu pai biológico.
 
Daí, seria de se perguntar, será que amanhã ele terá vergonha da apelada vir exercer seu direito de voto para o apelante, ou ainda, será que ele teria vergonha de seus eleitores ou de seus adversários políticos.
 
Finalizando, ouso dizer ainda, que a herança que o Senhor concede são os filhos, benção de Deus que prolongam a vida e o nome dos pais, sendo que os pais devem assumir a responsabilidade que lhes cabe pela vida dos filhos.
 
Presentes, portanto, a tríade necessária à configuração do dever de indenizar, deve ser mantida a sentença que reconheceu a ofensa moral praticada pelo apelante à apelada.
 
Com tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença proferida bem como lançada.
 
Custas recursais pelo apelante.
 
 
 
DES. ROGÉRIO COUTINHO (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
 
DES. ALEXANDRE SANTIAGO - De acordo com o(a) Relator(a).

FONTE: IBDFAM

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

STJ: Mantida decisão que reconheceu responsabilidade solidária de empresa por ato de terceirizada


DECISÃO  

Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial de empresa condenada solidariamente pelas obrigações não cumpridas por firma terceirizada. Os ministros entenderam que a análise do recurso implicaria revisão de provas, o que não é possível por força da Súmula 7. 

A situação ocorreu em Rondônia. Uma empresa, que tinha vencido processo licitatório para recuperação e pavimentação asfáltica no estado, terceirizou o serviço. A firma terceirizada alugou máquinas e equipamentos para realizar a obra, mas deixou de pagar parte do valor acertado no contrato de aluguel.

O proprietário das máquinas decidiu cobrar os valores devidos da empresa vencedora da licitação e não da firma terceirizada. A sentença julgou o pedido improcedente. Afirmou que não havia como prosperar a cobrança, pois o contrato de locação fora firmado com outra empresa. 

Acórdão mantido

No Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), entretanto, o entendimento foi outro. O acórdão considerou que a empresa acionada teria legitimidade para responder pela dívida. Primeiro, pela falta de publicidade do contrato entre as duas empresas, o que impossibilitou ao fornecedor conhecer o que foi acordado entre elas; segundo, pela responsabilidade em razão da má escolha na contratação da subempreitada.

No STJ, a decisão do acórdão foi mantida. O ministro Sidnei Beneti, relator, entendeu ser inviável apreciar a decisão do TJRO. Para ele, reconhecer ou afastar a responsabilidade solidária da empresa implicaria, necessariamente, a reapreciação das provas dos autos, o que é vedado em recurso especial pela Súmula 7 do STJ.

FONTE: STJ

DE QUEM SOU FILHO?

 




Ao menos até o atual estágio da ciência genética, todas as pessoas são filhas de uma mulher. Todos são gerados no ventre de uma pessoa do sexo feminino. Esta sempre foi uma verdade tão evidente que é latina a expressão: mater semper certa est. A mãe é sempre certa.

Quanto à paternidade, a verdade nunca foi tão evidente, ou melhor, tão aparente. Mas a necessidade de se certeza do vínculo de filiação paterna impôs uma série de pressuposições de modo a chegar-se a uma presunção. Para dizer que o pai sempre é o marido da mãe, foi preciso fazer as mulheres acreditarem que a virgindade tinha valor. Ou seja, manter íntegro o hímen lhe garantia a condição de pessoa séria e honesta. Pureza, castidade e recato davam às jovens a garantia de que iriam conseguir subir ao altar. Sempre foi este o dado que as diferenciava das chamadas mulheres de "vida fácil". Qualidade que nunca ninguém conseguiu entender muito o porquê. 

A tarefa delas, aliás, sempre foi das mais áridas: assegurar prazer sexual sem qualquer contra partida, a não ser de natureza financeira. Mas certamente pagavam um preço muito caro: viver à margem da sociedade. Recebiam toda a sorte de adjetivações para lá de desrespeitosas e, claro, não tinham o direito de amar. Não podiam sequer embalar o sonho de casar com quem se deliciava com suas carícias. Na eventualidade de ocorrer gravidez - algo muito frequente antes do surgimento dos métodos contraceptivos - era impositivo que abortassem. Afinal, o filho jamais poderia ter um pai, um nome, uma família. Esta marginalização, aliás, era consagrada legalmente, o que deixava os homens em situação para lá de confortável. Os filhos havidos fora do casamento eram considerados ilegítimos, bastardos. Eram condenados a serem filhos da puta.

A necessidade de as moças casarem virgens era imposta pelos costumes. O lençol manchado de sangue era exposto no balcão da casa, motivo de júbilo para as famílias dos noivos. Também nesta seara havia a interferência da lei. A ausência da virgindade configurava erro essencial de pessoa e garantia ao marido o direito de pedir a anulação do casamento.

Mas havia mais um ingrediente para garantir a certeza da paternidade. A mulher casada precisava manter uma postura de recato e seriedade. Seu lugar era o lar, para dirigir a casa, criar os filhos e cuidar do marido. Este se tornava o seu senhor. A lei o considerava o cabeça do casal, o chefe da sociedade conjugal. Mas tinha mais. Por décadas, a mulher ao casar, perdia a plena capacidade, ou seja, restava meio idiota. Nada podia fazer sem a assistência do marido. Sequer podia trabalhar "fora" sem sua expressa autorização.

Assim ficava fácil. Se o homem casava a com uma virgem, que nada podia fazer sem a sua aquiescência e a mantinha refém no lar, claro que o filho que ela tivesse só poderia ser filho dele. Esta ilação transformou-se em presunção legal. Até hoje o marido pode, sem a presença da esposa, registrar o filho como seu. Basta comparece ao cartório acompanhado de duas testemunhas munido de uma certidão de casamento e da declaração de nascido vivo fornecido pela maternidade. Já a mãe não pode registrar o filho em nome do marido se ele não se fizer presente no cartório.

A possibilidade de registro pelo pai existe no casamento, mas não na união estável. O companheiro, ainda que tenha em mãos um contrato de convivência ou até uma sentença declaratória de união estável, não pode proceder ao registro do filho. Nada disso basta. Já o casado nem precisa comprovar a concordância da mãe para tornar-se pai. A explicação é para lá de bizarra: no casamento existe dever de fidelidade enquanto na união estável o compromisso é só de lealdade. De qualquer modo, esta esquisita presunção nem é de paternidade, mas de fidelidade da mulher ao seu marido.

Mas se tudo isso era necessário pela dificuldade em saber quem é o pai de alguém - até porque, em nome da moral e dos bons costumes relações sexuais acontecem a descoberto de testemunhas - dois acontecimentos não permitem que persistam estas práticas. Primeiro foi o surgimento da possibilidade de o vínculo parental ser afirmado com alto grau de certeza. A partir da identificação do código genético, através do exame do DNA, nada existe de mais seguro para dissipar qualquer dúvida do genitor.

Esta descoberta teve efeito de outra ordem. Sepultou de vez o tabu da virgindade, que perdeu significado como elemento qualificador da mulher. Sua honradez não mais depende da integridade e seu hímen. De outro lado, nas ações investigatórias de paternidade, a alegação de que a mãe poderia ter tido contato sexual com mais de uma pessoa - argumento conhecido pela feia expressão exceptio plurium concubentium - deixou de servir de justificativa para a improcedência da ação. A vida sexual da mãe não cabe ser invocada como meio de defesa.

O outro acontecimento revolucionário foi o surgimento das técnicas de reprodução assistida. As pessoas não mais são frutos exclusivamente de uma relação sexual entre um homem e uma mulher. Bancos de sêmen, fecundação in vitro, gestação por substituição fez pluralizarem os vínculos parentais. Hoje em dia para alguém ser pai ou ser mãe não precisa ter um par.

Agora nem mais a maternidade é certa. Mãe passou a ter adjetivos. Nem sempre a mãe biológica é a mãe gestacional. E talvez nenhuma delas seja de fato a mãe registral. Ou seja, mãe não é somente aquela que teve um óvulo fecundado e nem quem o carregou no ventre por nove meses. Para ser mãe nem é preciso participar do processo reprodutivo. Mãe é quem deseja ter um filho. É o que basta para ser reconhecido o direito de registrar como seu o filho que não deu à luz e nem tem sua carga genética. O mesmo acontece com relação ao pai. Deixou de ser exclusivamente o marido da mãe.

Assim, estão sepultadas as presunções de parentalidade. Principalmente a partir do reconhecimento das uniões homoafetivas, a quem a justiça assegurou acesso ao casamento. Resolução do Conselho Federal de Medicina autorizou o uso das técnicas de procriação assistida aos parceiros homossexuais. A persistir tais presunções, por elementar princípio da igualdade, não é possível impedir que seja registrado como de ambos, o filho do casal de homens, ou de mulheres. Caso eles sejam casados, vivam em união estável ou comprovem terem se submetido às técnicas de reprodução assistida, é o que basta para procederem ao registro da dupla maternidade ou paternidade.

Não há forma mais humana, ágil, efetiva e afetiva para que crianças saibam desde sempre de quem são filhos!

Maria Berenice Dias
Advogada especializada em Direito das Famílias
Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM



FONTE: IBDFAM

SUGESTÃO DE DOUTRINA

  • GAGLIANO, Plablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil
  • CHAVES, Cristiano & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil
  • MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, tomos 1 a 4, Bookseller
  • GOMES, Orlando. “Introdução do Direito Civil”. Rio de Janeiro: Forense.
  • PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil
  • DIREITO CIVIL BRASILEIRO. Carlos Roberto Gonçalves. Editora Saraiva Volumes: 01 a 03.
  • DIREITO CIVIL. Silvio de Salvo Venosa. Editora Atlas. Volumes: 1 a 7.
  • CURSO DE DIREITO CIVIL. Maria Helena Diniz. Editora Saraiva. Volumes 1 a 7.
  • CURSO DE DIREITO CIVIL. Washington de Barros Monteiro. Editora Saraiva. Volumes: 1 a 6.
  • DIREITO CIVIL. Silvio Rodrigues. Editora Saraiva. Volumes: 1 a 7.

Mandamentos do Advogado

Eduardo Couture

ESTUDA - O Direito se transforma constantemente. Se não seguires seus passos, serás cada dia um pouco menos advogado;

PENSA - O Direito se aprende estudando, mas exerce-se pensando;

TRABALHA - A advocacia é uma luta árdua posta a serviço da Justiça;

LUTA - Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça;

SÊ LEAL - Leal com teu cliente, a quem não deves abandonar senão quando o julgares indigno de ti. Leal com o adversário, ainda que ele seja desleal contigo. Leal com o Juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que dizes;

TOLERA - Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua;

TEM PACIÊNCIA - O tempo se vinga das coisas que se fazem sem a sua colaboração;

TEM FÉ - Tem fé no Direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na Justiça, como destino normal do Direito; na Paz, como substituto bondoso da Justiça; e sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz;

ESQUECE - A advocacia é uma luta de paixões. Se a cada batalha, fores carregando a tua alma de rancor, dia chegará em que a vida será impossível para ti. Terminando o combate, esquece tanto a vitória como a derrota; e,

AMA A TUA PROFISSÃO - Trata de considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te peça conselhos sobre o destino, consideres uma honra para ti propor-lhe que se faça advogado.