Olá pessoas!
Segue abaixo, excelente post do Professor Nelson Rosenvald acerca dos desdobramentos da aprovação da Lei 13.146/2015 que aprovou o Estatuto da Pessoa com Deficiência, provocando inúmeras alterações no nosso Código Civil.
Leitura indispensável!
1) A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(CDPD) é o primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado
pelo Congresso Nacional conforme o procedimento qualificado do § 3º do
art. 5º da Constituição Federal (promulgado pelo Decreto Nº 6.949/09 e
em vigor no plano interno desde 25/8/2009). Como o Sr. avalia o impacto
da CDPD na ordem nacional?
A CDPD é o primeiro tratado de consenso universal que concretamente
especifica os direitos das pessoas com deficiência pelo viés dos
direitos humanos, adotando um modelo social de deficiência que importa
em um giro transcendente na sua condição. Por esse modelo, a deficiência
não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma
patologia. Redireciona-se o problema para o cenário social, que gera
entraves, exclui e discrimina, sendo necessária uma estratégia social
que promova o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência. O
objetivo da CDPD é o de permutar o atual modelo médico – que deseja
reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade -, por um modelo
social de direito humanos, cujo desiderato é o de reabilitar a
sociedade para eliminar os muros de exclusão comunitária. A igualdade no
exercício da capacidade jurídica requer o direito à uma educação
inclusiva, a vida independente e a possibilidade de ser inserido em
comunidade. Por tais razões, reconhece o Preâmbulo da CDPD: “a
deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da
interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às
atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas
pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas”.
2) Em 7 de Julho de 2015 foi publicada a Lei
n. 13.146/15, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. A normativa entrará
em vigor 180 dias após a sua publicação, com acentuada repercussão sobre
todo o sistema jurídico, notadamente no plano do direito civil. Qual é
exatamente o conceito de pessoa com deficiência?
A Lei nº
13.146/15 caminha no sentido personalista da CDPD. Em seu artigo 2º,
conceitua a pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. De
acordo com o art. 84, “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito
ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as
demais pessoas”. O § 1º do mesmo art. 84 preconiza que: “Quando
necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme
a lei”. Em arremate, o § 3º aduz que, “A definição de curatela de
pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária,
proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o
menor tempo possível”. Portanto, o Estatuto da Pessoa com Deficiência
admite em caráter excepcional o modelo jurídico da curatela, porém, sem
associá-la à incapacidade absoluta. A Lei nº 13.146/15 nos remete a dois
modelos jurídicos de deficiência: deficiência sem curatela e
deficiência qualificada pela curatela. A deficiência como gênero engloba
todas as pessoas que possuam uma menos valia na capacidade física,
psíquica ou sensorial - independente de sua gradação -, sendo bastante
uma especial dificuldade para satisfazer as necessidades normais. O
deficiente desfruta plenamente dos direitos civis, patrimoniais e
existenciais. Porém, se a deficiência se qualifica pelo fato da pessoa
não conseguir se autodeterminar, o ordenamento lhe conferirá proteção
ainda mais densa do que aquela deferida a um deficiente capaz,
demandando o devido processo legal.
3) Pela Lei n. 13.146/15, a pessoa com deficiência qualificada pela curatela será considerada incapaz ?
Equivocam-se os que creem que a partir da vigência do Estatuto todas as
pessoas que forem curateladas serão consideradas plenamente capazes.
Dispõe o art. 6º que “A deficiência não afeta a plena capacidade civil
da pessoa”. Com efeito, a deficiência é um impedimento duradouro físico,
mental ou sensorial que não induz, em princípio, a qualquer forma de
incapacidade, apenas a uma vulnerabilidade, pois a garantia de igualdade
reconhece uma presunção geral de plena capacidade a favor das pessoas
com deficiência. Excepcionalmente, através de relevante inversão da
carga probatória, a incapacidade surgirá, se amplamente justificada. Por
conseguinte, a Lei n. 13.146/15 mitiga, mas não aniquila a teoria das
incapacidades do Código Civil. As pessoas deficientes submetidas à
curatela são removidas do rol dos absolutamente incapazes do Código
Civil e enviadas para o catálogo dos relativamente incapazes, com uma
renovada terminologia. A nova redação do inciso III, do art. 4 (Lei n.
13.146/15) remete aos confins da incapacidade relativa “aqueles que, por
causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”.
Aqui se revela a intervenção qualitativamente diversa do Estatuto da
Pessoa com Deficiência na teoria das incapacidades: Abole-se a
perspectiva médica e assistencialista de rotular como incapaz aquele que
ostenta uma insuficiência psíquica ou intelectual. Corretamente o
legislador optou por localizar a incapacidade no conjunto de
circunstâncias que evidenciem a impossibilidade real e duradoura da
pessoa querer e entender – e que portanto justifiquem a curatela-, sem
que o ser humano, em toda a sua complexidade, seja reduzido ao âmbito
clínico de um impedimento psíquico ou intelectual. Ou seja, o divisor
de águas da capacidade para a incapacidade não mais reside nas
características da pessoa, mas no fato de se encontrar em uma situação
que as impeça, por qualquer motivo, de conformar ou expressar a sua
vontade. Prevalece o critério da impossibilidade de o cidadão maior
tomar decisões de forma esclarecida e autônoma sobre a sua pessoa ou
bens ou de adequadamente as exprimir ou lhes dar execução.
4) Então a Lei n. 13.146/15 não criou a nova categoria das “pessoas capazes sob curatela”?
É um equívoco inferir da Lei n. 13.146/15 que a incapacidade civil foi
sepultada. Será que poderíamos admitir que, para o futuro, teremos uma
nação composta unicamente de pessoas plenamente capazes, inclusive todos
aqueles que atualmente estão curateladas por um déficit psíquico?
Obviamente não. Inexiste pretensão ideológica capaz de afetar a natureza
das coisas. Por mais que o legislador pretendesse (e ele não
pretendeu!) criar o mundo ideal e “politicamente correto” das pessoas
plenamente capazes, não há como desconstruir a realidade inerente à
imperfeição humana e às vicissitudes que a todos afetam, em maior ou
menor grau. Num Estado Democrático de Direito, o pluralismo demanda o
respeito pelas diferenças e não o seu aniquilamento. O Estatuto da
Pessoa com Deficiência não eliminou a teoria das incapacidades, porém,
adequou à Constituição Federal e a CDPD. Tratando-se a incapacidade de
uma sanção normativa excepcionalíssima, que afeta o estado da pessoa a
ponto de restringir o exercício autônomo de direitos fundamentais, o que
corretamente a Lei n. 13.146/15 impôs foi a necessidade da mais ampla
proteção ao direito fundamental à capacidade civil. Resumidamente: a)
haverá intenso ônus argumentativo por parte de quem pretenda submeter
uma pessoa à curatela em razão de uma causa permanente; b) sendo ela
curatelada, a incapacidade será apenas relativa, pois a incapacidade
absoluta fere a regra da proporcionalidade; c) a curatela, em regra,
será limitada à restrição da prática de atos patrimoniais,
preservando-se, na medida do possível a autodeterminação para a condução
das situações existenciais.
5) Por qual fundamento o
Estatuto da Pessoa com Deficiência reservou a categoria dos
absolutamente incapazes aos menores de 16 anos?
O objetivo é
elogiável: suprimir a incapacidade absoluta do regramento jurídico da
pessoa com deficiência psíquica ou intelectual. O critério médico até
então utilizado era baseado na ausência de discernimento em caráter
permanente - seja ela resultante de enfermidade ou deficiência mental. A
interdição do absolutamente incapaz decorria de um estado pessoal,
patológico. Contudo, diante da infinidade de hipóteses configuradoras de
transtornos mentais ou déficits intelectuais – seja pela origem,
graduação do transtorno ou pela extensão dos efeitos – é insustentável a
tentativa do direito privado do século XXI de persistir na
homogeneização da amplíssima gama de deficiências psíquicas, pelo
recurso ao enredo abstratizante do binômio incapacidade absoluta ou
relativa, conforme a pessoa se encontre em uma situação de ausência ou
de redução de discernimento. Daí a crítica ao Código Civil de 2002, que,
em nome de uma suposta segurança jurídica, tencionou aprisionar a
multiplicidade de quadros de desenvolvimento intelectual sob a dualidade
ausência/redução de discernimento, em uma espécie de categorização a
priori de pessoas em redutos de exclusão de direitos fundamentais. Não
se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em
morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e
escolhas existenciais para o curador. Por mais grave que se pronuncie a
patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam
preservadas, sobremaneira às que digam respeito as suas crenças, valores
e afetos, num âmbito condizente com o seu real e concreto quadro
psicofísico. Ou seja, na qualidade de valor, o status personae não se
reduz à capacidade intelectiva da pessoa, posto funcionalizada à
satisfação das suas necessidades existenciais, que transcendem o plano
puramente objetivo do trânsito das titularidades.
6) O
Estatuto da Pessoa com Deficiência também alterou as normas relativas à
interdição para que elas se conciliem ao novo modelo da incapacidade
relativa?
A partir da vigência da Lei n. 13.146/15, será abolido o
vocábulo “interdição”. Ele remete a uma noção de curatela como medida
restritiva de direitos e substitutiva da atuação da pessoa que não se
concilia com a vocação promocional da curatela especial concebida pelo
estatuto. A impossibilidade de autogoverno conduzirá à incapacidade
relativa ao fim de um processo no qual será designado um curador para
assistir a pessoa com deficiência de forma a preservar os seus
interesses econômicos. Onde reside o giro linguístico? Não será
interditada como clinicamente “portadora de uma deficiência ou
enfermidade mental”, mas curatelada pelo fato de objetivamente não
exprimir a sua vontade de forma ponderada (art. 1.767, I, CC, com a
redação dada pela Lei 13.146/15). Essa conciliação é a saída possível (e
desejável) para harmonizar a proteção à pessoa deficiente com o
princípio da segurança jurídica. A pessoa deficiente curatelada não
consumará isoladamente atos patrimoniais, pois a prática de negócios
jurídicos exigirá a atuação substitutiva ou integrativa do curador, sob
pena de anulabilidade (art. 171, I, CC). Apenas serão afastadas do
regramento da pessoa deficiente incapaz as normas que antes vinculavam a
validade e consequente eficácia de seus atos à sanção da nulidade ou à
incapacidade absoluta. Eis aí mais uma razão para corroborar a
incongruência da crença em que a pessoa deficiente sempre será capaz,
mas que poderá ser curatelada. Com as alterações postas pela Lei n.
13.146/15, harmonizam-se os artigos 3º, 4º e 1.767 do Código Civil, no
sentido de substituir a fórmula da “ausência ou redução de
discernimento” pela impossibilidade de expressão da vontade como fato
gerador de incapacidade. Para o futuro, definiremos como relativamente
incapaz todo aquele que for curatelado por uma causa duradoura que o
prive de exprimir a sua vontade de forma a se autodeterminar.
7) Se a pessoa deficiente não possuir a mínima aptidão para o
autogoverno, será somente assistida pelo curador, já que se trata de
curatela por incapacidade relativa?
Por uma imposição ética, o
Estatuto da Pessoa com Deficiência atraiu todos aqueles que não podem se
autodeterminar para o setor da incapacidade relativa. O princípio da
Dignidade da Pessoa Humana não se compatibiliza com uma abstrata
homogeneização de seres humanos em uma categoria despersonalizada de
absolutamente incapazes, que por sua própria conformação é infensa a
qualquer avaliação concreta acerca do estatuto que regulará a condução
da vida da pessoa deficiente após a curatela. A incapacidade absoluta,
por essência, é incompatível com a regra da proporcionalidade.
Evidentemente, a reforma legislativa não alterará o cenário fático em
que milhões de pessoas continuarão a viver alheios à realidade,
necessariamente substituídos pelo curador na interação com o mundo.
Portanto, a representação de incapazes prossegue incólume, pois não se
trata de uma categoria apriorística, cuida-se de uma técnica de
substituição na exteriorização de vontade, que pode perfeitamente migrar
da incapacidade absoluta para a relativa, inserindo-se em seu plano de
eficácia. Vale dizer, conforme a concretude do caso, o projeto
terapêutico individual se desdobrará em 3 possibilidades: a) o curador
será um representante para todos os atos; b) o curador será um
representante para alguns atos e assistente para outros; c) o curador
será sempre um assistente. E onde se encontra o salto qualitativo de tal
formulação tripartida? Abolida a categoria dos absolutamente incapazes,
já não haverá mais espaço para o recurso a fórmulas genéricas e
pronunciamentos judiciais estereotipados. Uma forte carga argumentativa
justificará qualquer sentença que determine a máxima intervenção sobre a
autonomia devido ao apelo à técnica da representação.
8) Tendo em vista que os artigos 4º, I e 1.767, I, do CC aludem a
incapacidade relativa e consequente curatela das pessoas que “não podem
exprimir a sua vontade”, como ficam aquelas pessoas que sofrem de
restrições na autodeterminação, mas ainda são aptas a se fazer
compreender?
Quando a pessoa deficiente possua limitações no
exercício do autogoverno, mas preserve de forma precária a aptidão de se
expressar e de se fazer compreender, o caminho não será o binômio
incapacidade relativa/curatela. A Lei 13.146/15 criou a Tomada de
Decisão Apoiada (art. 1.783-A, CC) como tertium genus protetivo em prol
da assistência da pessoa deficiente que preservará a capacidade civil.
Esse novo modelo jurídico se coloca de forma intermediária entre os
extremos das pessoas ditas normais - nos aspectos físico, sensorial e
psíquico - e aquelas pessoas com deficiência qualificada pela
impossibilidade de expressão que serão curateladas e se converterão em
relativamente incapazes. A partir de Janeiro de 2016 haverá uma gradação
tripartite de intervenção na autonomia: a) pessoas sem deficiência
terão capacidade plena; b) pessoas com deficiência se servirão da tomada
de decisão apoiada a fim de que exerçam a sua capacidade de exercício
em condição de igualdade com os demais; c) pessoas com deficiência
qualificada pela curatela em razão da impossibilidade de autogoverno
serão submetidas a um regime especial que levará em conta as crenças e
vicissitudes do sujeito. A incapacidade relativa será materializada
alternativamente pelas técnicas da representação e assistência. Em
outros termos, as pessoas com deficiência que pelo CC/02 eram
considerados absolutamente incapazes em uma terminologia reducionista,
tornam-se relativamente incapazes a partir da vigência da Lei n.
13.146/15; aquelas pessoas com deficiência que eram relativamente
incapazes por “discernimento reduzido” (art. 4, II, do CC/02) serão
plenamente capazes e direcionadas ao novo modelo da Tomada de Decisão
Apoiada.
9) Apesar dos claros avanços, a Lei n. 13.146/15 provoca abalos sistêmicos?
Evidente que nem tudo são flores. A desconexão entre a curatela e a
incapacidade absoluta provoca abalos sistêmicos que merecem exame
pormenorizado. A partir da vigência da Lei nº 13.146/15, mesmo que a
pessoa deficiente esteja sob curatela, a prescrição e a decadência
correrão contra ela. A teor dos artigos 198, I e 208 do CC, a prescrição
e a decadência apenas não fluem contra os absolutamente incapazes (que
serão apenas os menores de 16 anos). Evidentemente, haverá prejuízo para
os que agora serão considerados como relativamente incapazes. Ademais,
os atos praticados pelo interditado sem a presença do curador serão
submetidos à sanção da anulabilidade (art. 171, I, CC) e não mais à
nulidade (art. 166, I, CC), com todas as consequências em termos de
legitimidade e prazo para a invalidação do ato prejudicial.
10) O que há de inovador no novo modelo jurídico da Tomada de Decisão Apoiada?
O art. 116 da Lei n. 13.146/15, cria um tertium genus em matéria de
modelos protetivos de pessoas em situação de vulnerabilidade. Além dos
tradicionais institutos da tutela e curatela surge a Tomada de Decisão
Apoiada. O Título IV do Livro IV da Parte Especial do Código Civil,
passa a vigorar acrescido do art. 1.783-A, consubstanciando 11
parágrafos. Essa interessante figura já era aguardada. Ela concretizará o
art. 12.3 da CDPD nos seguintes termos: “Os Estados Partes tomarão
medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao
apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal”. Tutela e
curatela são instituições protetivas da pessoa e dos bens dos que detêm
limitada capacidade de agir, evitando os riscos que essa carência possa
impor ao exercícios das situações jurídicas por parte de indivíduos
juridicamente vulneráveis. Contudo, por mais que o legislador
paulatinamente procure reformar esses tradicionais mecanismos de
substituição – de forma a adequá-los ao modelo personalista do direito
civil constitucional -, pela própria estrutura, tutela e curatela são
medidas prioritariamente funcionalizadas ao campo estritamente
patrimonial. A Tomada de decisão apoiada é um modelo jurídico que se
aparta dos institutos protetivos clássicos na estrutura e na função. O
novo art. 1.783-A veicula a sua essência: “A tomada de decisão apoiada é
o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas)
pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua
confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da
vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para
que possa exercer sua capacidade”. Na tomada de decisão apoiada, o
beneficiário conservará a capacidade de fato. Mesmo nos específicos atos
em que seja coadjuvado pelos apoiadores, a pessoa com deficiência não
sofrerá restrição em seu estado de plena capacidade, apenas será privada
de legitimidade para praticar episódicos atos da vida civil. Assim,
esse modelo beneficiará enormemente pessoas deficientes com
impossibilidade física ou sensorial (v.g. tetraplégicos, obesos
mórbidos, cegos, sequelados de AVC e portadores de outras enfermidades
que as privem da deambulação para a prática de negócios e atos jurídicos
de cunho econômico,) e pessoas com deficiência psíquica ou intelectiva
que não tenham impedimento, mas possuam limitações em expressar a sua
vontade. Eles não serão interditados ou incapacitados, pois a tomada de
decisão apoiada veio para promover a autonomia e não para cerceá-la.
11) Mirando o futuro, quais são os prognósticos para a plena efetividade do Estatuto da Pessoa com Deficiência?
Em síntese, aprenderemos a conviver com diferentes estatutos de
proteção, à medida em que em estejam em jogo situações jurídicas de
pessoas deficientes ou pessoas com deficiência qualificada pela
curatela. Naturalmente, a ofensa aos direitos fundamentais da pessoa
curatelada não será singelamente eliminada pelo câmbio legislativo da
incapacidade absoluta para a incapacidade relativa se o giro linguístico
não for acompanhado de uma atualização procedimental, hábil a
substancializar a fruição de direitos fundamentais pela pessoa
curatelada, preservando ao máximo a sua autonomia. Como bem alude o art.
12, nº 4, da CDPD, “Essas salvaguardas assegurarão que as medidas
relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a
vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de
interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas
às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto
possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou
órgão judiciário competente, independente e imparcial”. Na mesma toada,
preceitua o § 2º do art. 85 da Lei nº 13.146/15: “A curatela constitui
medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e
motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”.
Enfim, a par de rótulos, o fundamental é que a norma processual
estruture o processo de curatela com acato à sua excepcionalidade e a
aplicação do critério da proporcionalidade em sua configuração concreta.
A propósito, o CPC/15 (Artigos 747 a 758) caminhou eficazmente nesse
sentido.