Adoção. Para a
sociedade, um ato de amor. Para o direito brasileiro, um ato jurídico a partir
do qual uma criança ou adolescente, não gerado biologicamente pelo adotante,
torna-se irrevogavelmente seu filho.
Com a adoção, a
criança ou o adolescente passa a ter os mesmos direitos e deveres, inclusive
hereditários. Passa a ter o mesmo sobrenome dos adotantes. Nem mesmo a
morte dos adotantes devolve os direitos aos pais biológicos. Para isso, é
necessário proceder à nova adoção.
Independentemente do
significado, o fato é que, no Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), há 5.624 crianças aptas a serem adotadas. Para cada uma delas há seis
adotantes (casais ou pessoas sozinhas) que poderiam ser seus pais (33.633), mas
não são.
Desse total, 6% das crianças
têm menos de um ano de idade – preferência entre os adotantes -, enquanto
87,42% têm mais de cinco anos. Quanto à raça, 17% são negros, 48,8% pardos,
33,4% brancos, 0,3% pertencem à raça amarela e outros 0,3% são indígenas.
Um processo que sempre
foi muito trabalhoso – porque era preciso preencher algumas formalidades e
requisitos necessários para habilitar um pretendente -, com o advento do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, a adoção ficou mais
simples, mais rápida.
No Superior Tribunal
de Justiça (STJ), não é diferente. Processos que discutem questões sobre o tema
chegam ao Tribunal da Cidadania frequentemente. Até abril deste ano, a
corte já recebeu cerca de 560 processos sobre a questão.
Adoção à brasileira
A adoção à brasileira
se caracteriza “pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na
qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, os
adotantes simplesmente registram o menor como filho, sem as cautelas judiciais
impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os
interesses da criança”, explicou a ministra Nancy Andrighi em um de seus
julgados sobre o tema.
Além de sujeitar o
adotante a sanções penais, a adoção informal pode dar margem à suspeita de
outros crimes. O STJ, nesses casos, tem julgado “à luz do superior interesse da
criança e do adolescente”.
Em um caso recente, a
Terceira Turma trouxe a história de um recém-nascido entregue pela mãe
biológica adolescente a um casal. A entrega foi intermediada por um advogado,
que possivelmente tenha recebido um valor por isso. A mãe biológica também
teria ganhado uma quantia pela entrega da filha.
No registro da
criança, consta o nome da mãe biológica e do pai adotante, que declarou ser o
genitor do bebê. A infante permaneceu com o casal adotante até ser recolhida a
um abrigo em virtude da suspeita de tráfico de criança.
O casal recorreu ao
STJ pedindo o desabrigamento da criança e a sua guarda provisória. O colegiado
negou o pedido, entendendo que não houve ilegalidade no acolhimento
institucional da menor.
Padrões éticos
Segundo o relator do
caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, mesmo sem a comprovação de que houve
pagamento pela criança, ela foi efetivamente negociada pelos envolvidos. O
ministro ressaltou que a conduta do casal, que passou por cima das normas
legais para alcançar seu objetivo, “coloca em dúvida os seus padrões éticos,
tão necessários para a criação de uma criança”.
Ainda com relação à
adoção à brasileira, em casos que o pai-adotante busca a nulidade do registro
de nascimento, o STJ considera a melhor solução só permitir a anulação quando
ainda não tiver sido constituído o vínculo socioafetivo com o adotado.
“Após formado o liame
socioafetivo, não poderá o pai-adotante desconstruir a posse do estado de filho
que já foi confirmada pelo véu da paternidade socioafetiva. Tal entendimento,
todavia, é válido apenas na hipótese de o pai-adotante pretender a nulidade do
registro”, afirmou o ministro Massami Uyeda, hoje aposentado.
Adoção unilateral
A adoção unilateral
ocorre dentro de uma relação familiar qualquer, em que preexista um vínculo
biológico, e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados
com a criança.
O STJ já reconheceu a
possibilidade, dentro de uma união estável homoafetiva, de adoção unilateral de
filha concebida por inseminação heteróloga, para que ambas as companheiras
passem a compartilhar de mães da adotanda.
Para a ministra Nancy
Andrighi, relatora do recurso, se determinada situação é possível ao extrato
heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual,
assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de
qualquer natureza.
“O avanço na percepção
e alcance dos direitos da personalidade, em linha exclusiva, que equipara, em
status jurídico, grupos minoritários como os de orientação homoafetiva aos
heterossexuais, traz como corolário necessário a adequação de todo ordenamento
infraconstitucional para possibilitar, de um lado, o mais amplo sistema de
proteção ao menor e, de outro, a extirpação jurídica dos últimos resquícios de
preconceito jurídico”, afirmou a ministra.
O tribunal também já
consolidou jurisprudência no sentido de que é possível a adoção sem o
consentimento de um dos pais quando a situação fática consolidada no tempo for
favorável ao adotando.
O entendimento foi
aplicado pela Corte Especial ao homologar sentença estrangeira de adoção
baseada no abandono pelo pai de filho que se encontra por anos convivendo em
harmonia com padrasto.
Adoção póstuma
Para o STJ, a adoção
póstuma pode ser concedida desde que a pessoa falecida tenha demonstrado, em
vida, inequívoca vontade de adotar e laço de afetividade com a criança. Em um
julgamento ocorrido em 2007 na Terceira Turma, os ministros aplicaram esse
entendimento e não atenderam ao pedido das irmãs de um militar que contestavam
a decisão da justiça fluminense que admitira o direito à adoção póstuma de uma
criança de sete anos.
As irmãs alegaram que
o militar não demonstrou em vida a intenção de adotar a menina e que por ser
“solteiro, sistemático e agressivo”, além de ter idade avançada (71 anos), o
falecido não seria a pessoa indicada para adotar uma criança, oferecendo-lhe um
ambiente familiar adequado.
Segundo a relatora do
caso, ministra Nancy Andrighi, o tribunal fluminense concluiu, de maneira
inequívoca, que houve a manifestação, em vida, da vontade de adotar a criança,
tanto que o militar chegou a iniciar o processo de adoção. “O magistrado deve
fazer prevalecer os interesses do menor sobre qualquer outro bem ou interesse
protegido juridicamente”, assinalou a ministra.
Filiação socioafetiva
A socioafetividade é
contemplada pelo artigo 1.593 do Código Civil, no sentido de que “o
parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra
origem”.
O STJ vem entendendo
que a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana por
permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição
social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular
adoção, a real verdade dos fatos.
Segundo o ministro
Villas Bôas Cueva, no julgamento de um recurso que discutia a questão, a
vontade clara e inequívoca do pai socioafetivo em ter como seu o filho deve ser
convalidada pelas inúmeras manifestações de afeto que demonstram a construção
sólida e duradoura de paternidade.
O tribunal tem decidido
também que a existência de relação socioafetiva com o pai registral não impede
o reconhecimento dos vínculos biológicos quando a investigação de paternidade é
demandada por iniciativa do próprio filho.
Baseada no
entendimento do ministro relator, Raul Araújo, a decisão estabelece que o
pedido se fundamenta no direito personalíssimo, indisponível e imprescritível
de conhecimento do estado biológico de filiação, baseado no princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
O ministro citou ainda
jurisprudência pacífica do STJ, a qual já estabeleceu que, “no contexto da
chamada ‘adoção à brasileira’, quando é o filho quem busca a paternidade
biológica, não se lhe pode negar esse direito com fundamento na filiação
socioafetiva desenvolvida com o pai registral, sobretudo quando este não
contesta o pedido”.
CNA
O Cadastro Nacional de
Adoção (CNA), ferramenta digital de apoio aos juízes das Varas da Infância e da
Juventude na condução dos processos de adoção em todo o País, foi lançado em
2008 pela Corregedoria Nacional de Justiça.
Ao centralizar e
cruzar informações, o sistema permite a aproximação entre crianças que aguardam
por uma família em abrigos brasileiros e pessoas de todos os Estados que tentam
uma adoção. Em março de 2015, o CNA foi reformulado, simplificando operações e
possibilitando um cruzamento de dados mais rápido e eficaz.
Com a nova tecnologia,
no momento em que um juiz insere os dados de uma criança no sistema, ele é
informado automaticamente se há pretendentes na fila de adoção compatíveis com
aquele perfil. Isso também acontece se o magistrado cadastra um pretendente e
há crianças que atendem às características desejadas.
Os números dos
processos não são divulgados em razão de segredo de justiça
CG
FONTE: STJ