quinta-feira, 9 de junho de 2016

CABE PRISÃO CIVIL POR ALIMENTOS INDENIZATÓRIOS?



Olá queridos, 

Vejam este embate acerca do cabimento da prisão civil por alimentos indenizatórios travado pelo Professor Flavio Tartuce e pela Professora Fernanda Tartuce.

O material fora divulgado no blog do Professor e está disponível em:

http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/



DEBATE COM FERNANDA TARTUCE. PRISÃO EM ALIMENTOS INDENIZATÓRIOS. JORNAL CARTA FORENSE. JUNHO DE 2016. MATÉRIA DE CAPA.

PRISÃO CIVIL EM ALIMENTOS INDENIZATÓRIOS: POSIÇÃO CONTRÁRIA

Flávio Tartuce. Doutor em Direito Civil pela USP. Professor da FADISP e da Escola Paulista de Direito. Advogado.

Os alimentos indenizatórios, ressarcitórios, indenitários ou de responsabilidade civil estão tratados pelo art. 948, II, do Código Civil como hipótese de lucros cessantes. Tal preceito trata das indenizações devidas em casos de homicídio, como ocorre em casos de atropelamentos, acidentes de trânsito e acidentes de trabalho, entre as suas principais hipóteses fáticas. De acordo com a norma, com destaque: “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.  

 Como se pode perceber, como o caput do dispositivo menciona “sem excluir outras indenizações”, os valores pagos não excluem os danos morais ou extrapatrimoniais, cuja reparação é muito comum em situações tais. O inciso I trata de danos emergentes, valores que são reembolsados aos familiares que pagaram tais valores ou despesas.

 No que concerne ao inciso II da norma civil, doutrina e jurisprudência majoritárias têm entendido que se deve levar em conta a vida provável daquele que faleceu com base na expectativa fixada pelo IBGE. De qualquer forma, ressalve-se que para que os familiares tenham direito à indenização, há necessidade de um vínculo de dependência econômica dos autores da demanda em relação ao falecido. A título de exemplo, assim concluindo, a ilustrar: “a estimativa de idade provável de vida para o recebimento da pensão é feita quando a indenização é pedida, por exemplo, pelos pais, em face da morte de algum filho, pois aí pode ser usada tabela do IBGE sobre qual seria a idade provável de vida da vítima” (STJ, AgRg no Ag 1.294.592/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 03/12/2010).

 Tal conclusão é perfeita, pois procura analisar o ato ilícito e a consequente responsabilidade civil de acordo com o meio que os cerca. Sendo assim, pode-se denotar, em certo sentido, a finalidade social da responsabilidade civil. Consigne-se que, atualmente e conforme as últimas pesquisas realizadas pelo IBGE, a expectativa de vida no Brasil gira em torno dos 74 anos.

 No que concerne à forma de cálculo dessa indenização, a mesma jurisprudência superior tem entendido que, em regra, deve-se fixar a indenização em 2/3 do salário da vítima, que serão multiplicados pelo número de meses até que seja atingida a mencionada idade limite. Se o morto era registrado, tendo carteira de trabalho, devem ser incluídos as férias, os valores correspondentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o décimo terceiro salário (ver, a ilustrar: STJ, AgRg no Ag 1.419.899/RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 24.09.2012, citado em REsp 1.279.173/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 04.04.2013, com o mesmo entendimento). Isso, repita-se, sem excluir a indenização por danos morais decorrentes da morte de pessoa da família.

 Pois bem, questão que sempre foi debatida entre os civilistas e processualistas diz respeito à possibilidade de se pleitear a prisão civil do devedor desses alimentos indenizatórios, com fulcro no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988. Nossa jurisprudência superior vinha se posicionando de forma contrária à sua viabilidade, pois os únicos alimentos que fundamentam a possibilidade de prisão civil são os familiares, devidos nos casos de parentesco, casamento ou união estável (art. 1.694 do Código Civil), posição que é compartilhada por este autor.

 Nessa esteira, concluiu o Tribunal da Cidadania que, “segundo a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é ilegal a prisão civil decretada por descumprimento de obrigação alimentar em caso de pensão devida em razão de ato ilícito” (STJ, HC 182.228/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 11.03.2011). Em reforço, entre os primeiros precedentes, colaciona-se: “a possibilidade de determinar-se a prisão, para forçar ao cumprimento de obrigação alimentar, restringe-se a fundada no direito de família. Não abrange a pensão devida em razão de ato ilícito” (STJ, REsp 93.948/SP, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02.04.1998, DJ 01.06.1998, p. 79).

 O Novo CPC supostamente reacendeu o debate sobre a prisão civil em casos de não pagamento desses alimentos indenizatórios. Isso pelo fato de seu art. 533 estar inserido no mesmo capítulo que trata do cumprimento da sentença que reconhece a exigibilidade da obrigação alimentar, prevendo o art. 528 do próprio Estatuto Processual a possibilidade de prisão civil em caso de alimentos familiares.

Em verdade, o teor do art. 533 do CPC/2015 repete o que constava do art. 475-Q do CPC/1973, com algumas alterações. De acordo com o caput da nova lei, quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, caberá ao executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão. Além de previsão na lei anterior, a formação desse capital já era reconhecida pela Súmula 313 do STJ.

Nos termos do seu 1º, esse capital, representado por imóveis ou por direitos reais sobre imóveis suscetíveis de alienação, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do executado. Ademais, constitui patrimônio de afetação, vinculado para o pagamento dos citados alimentos, o que constitui novidade frente ao sistema anterior.

Em complemento, está previsto que o juiz poderá substituir a constituição desse capital pela inclusão do exequente em folha de pagamento de pessoa jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do executado, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz (art. 533, § 2º, do CPC/2015, correspondente ao mesmo parágrafo do art. 475-Q do CPC/1973). Igualmente sem qualquer alteração, se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação, o que para muitos representa ser a sentença sujeita à cláusula rebus sic stantibus (art. 533, § 3º, do CPC/2015 e art. 475-Q, § 3º, do CPC/1973).

 Também, sem qualquer mudança frente ao sistema processual anterior, está previsto que a prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base o salário-mínimo (art. 533, § 4º, do CPC/2015, equivalente ao art. 475-Q, § 4º, do CPC/1973). Por derradeiro, finda a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas (art. 533, § 5º, do CPC/2015 e art. 475-Q, § 5º, do CPC/1973).

Essas são as regras e sanções previstas para os alimentos indenizatórios, decorrentes do ato ilícito, sem qualquer menção à prisão civil. Sendo assim, não cabe ao julgador fazer interpretações extensivas para cercear a liberdade da pessoa humana, ainda mais em uma realidade em que defende um Direito Civil Constitucionalizado e Humanizado. Reitere-se a posição anterior, consolidada no sentido de que prisão civil somente é possível nas situações de inadimplemento da obrigação relativa aos alimentos familiares. Esperamos que essa conclusão continue sendo o posicionamento da nossa jurisprudência superior.

PRISÃO CIVIL EM ALIMENTOS INDENIZATÓRIOS: POSIÇÃO FAVORÁVEL

Fernanda Tartuce. Doutora em Direito Processual Civil pela USP. Professora da FADISP e da EPD. Advogada.

A questão em análise pode ser apresentada de forma singela: a proteção máxima conferida aos alimentos (com possível execução sob pena de prisão) é pertinente apenas ante a inadimplência de alimentos baseados em vínculos familiares ou incide também sobre a falta de pagamento de pensões decorrentes de ato ilícito fixadas em demandas indenizatórias?

Embora perguntas simples possam inspirar respostas do mesmo tipo, é interessante lembrar que nem sempre todos os pontos relevantes do questionamento são considerados em abordagens singelas. Uma forma que pode contribuir para uma análise mais elaborada é contextualizar a dúvida à luz de certo caso; tal perspectiva é valiosa por concretizar a hipótese e permitir uma apreciação humanizada da situação. Considere que Jodeilde, aos 8 anos de idade, restou órfã após seus pais falecerem no acidente de veículos causado por Lupércio; este foi posteriormente condenado, em demanda indenizatória, a pagar alimentos de dois salários mínimos mensais à criança com base no art. 948, II do Código Civil (“no caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”). Não tendo havido o voluntário pagamento do valor devido a Jodeílde a título de obrigação alimentar, cabe executar Lupércio sob pena de prisão?

A Constituição Federal prevê, no art. 5º LXVII, que não haverá prisão civil por dívida - salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

A regra se justifica porque o instituto dos alimentos tem por base valores importantes: dignidade, urgência e solidariedade humana são vetores interpretativos primordiais para o adequado delineamento de respostas a eventuais dúvidas surgidas na aplicação das normas sobre o tema.

 A dignidade é contemplada porque, sem condições de contar com um patrimônio mínimo que assegure o acesso a bens essenciais, não há como exercer de modo eficiente o direito à autodeterminação. A urgência é evidente, já que o pagamento da pensão alimentícia serve para suprir as necessidades cotidianas da pessoa dependente. A solidariedade humana, enquanto amparo e dever assistencial, é uma exigência do sistema jurídico porque, infelizmente, nem sempre há espontaneidade no devotamento de cuidado aos necessitados. Se o ordenamento jurídico reforça a solidariedade em relação a parentes (em relação a quem, por haver vínculo, existe maior chance de prestação de auxilio mutuo), obviamente deve haver ainda maior estímulo quando não há proximidade que anime o devedor a auxiliar o credor da obrigação alimentar.

 À luz de tais considerações, pergunta-se: Jodeílde precisa que a norma constitucional incida em seu favor? Para atender à sua dignidade com urgência, considerando que é remota a chance de Lupércio mostrar solidariedade em relação a uma órfã com quem não tem liame parental, a resposta é evidentemente positiva.

 Quando a Constituição Federal menciona a possibilidade de prisão em virtude do inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentar, não faz distinção quanto à fonte; revela-se essencial, portanto, considerar o conteúdo (obrigação alimentar inadimplida voluntária e sem escusas) e não a origem (relação familiar ou ato ilícito).

 No plano infraconstitucional, os dispositivos que preveem prisão por inadimplemento de pensões alimentícias não apresentam restrições à incidência do encarceramento; não há expressa diferenciação em relação aos casos ligados à seara familiar.

 O Código de Processo Civil não tem tradição de limitar a incidência da prisão à execução de alimentos referentes a contextos familiares. Confirmando tal tendência, o Novo Código de Processo Civil refere-se hipóteses ligadas a pensão alimentícia como sendo referentes à exigibilidade da obrigação de prestar alimentos; a expressão, que é ampla, não expressa qualquer distinção em relação à fonte da obrigação.

 O Novo Código traz ainda mais um ponto em favor da posição aqui defendida: o art. 533, ao mencionar a possibilidade de constituição de capital em demandas reparatórias que preveem alimentos indenizatórios, foi inserido no capítulo regente da execução de prestações alimentares em geral; percebe-se, portanto, que o legislador, longe diferenciar pensões alimentícias, atuou no sentido de aproximar seus regimes executivos.

 Vale também destacar que o Novo Código buscou incrementar ainda mais a efetividade da execução alimentícia ao prever o protesto do nome do executado e afirmar que a justificativa do executado precisa expor a comprovação de fato gerador da impossibilidade absoluta de pagar a pensão devida (Lei 13.105/2015, art. 528 §§ 1º e 2º).

 Não há no ordenamento, portanto, norma que justifique a diferenciação apta a excluir a possibilidade de prisão no inadimplemento de obrigações alimentares fixadas a título de reparação por ato ilícito; interpretação diversa prejudica indevidamente as vítimas de atos ilícitos ao retirar a eficácia potencializada pela coerção inerente à execução sob pena de prisão.

A execução de alimentos engendrada no sistema jurídico brasileiro, como autêntica tutela diferenciada, visa propiciar maior efetividade à proteção de um direito considerado especial pelo ordenamento.

 Apesar disso, há quem responda negativamente à pergunta, afirmando haver restrições à incidência da prisão. Há diversas decisões nesse sentido; muitas delas, porém, não enfrentam os argumentos expostos, limitando-se a afirmar, sem maiores digressões, que a possibilidade de requerer a execução sob pena de prisão deve ser considerada em perspectiva restritiva, sendo pertinente apenas em casos de inadimplemento verificados em contextos familiares. É possível crer, porém, em mudança no cenário jurisprudencial: cada vez mais há entendimentos prestigiando a concretização de compreensões que conduzam a um “processo civil de resultados”.

 O posicionamento pela impossibilidade de execução sob pena de prisão no caso de alimentos decorrentes de ato ilícito distancia o intérprete da missão protetora do processo; a tutela jurisdicional precisa funcionar bem, incidindo seus ditames de modo eficiente em prol de quem vive a árdua situação de precisar exigir alimentos em juízo.

 Espera-se que a triste situação de vítimas como Jodeílde - que precisará recompor sua vida em um cenário marcado por significativas restrições - não seja piorada pela falta de efetividade da execução alimentícia que precisará promover em face do devedor que, de modo voluntário e inescusável, restar inadimplente.

terça-feira, 7 de junho de 2016

TEMPO É DINHEIRO: OS LUCROS CESSANTES DA PROSTITUTA




Certa vez, em sala de aula, fui abordado por aluno que curiosamente me perguntou acerca da possibilidade jurídica da prostituta ser indenizada por lucros cessantes, quando em razão de algum ato ilícito, esta fosse impedida de prestar seus serviços, e consequentemente, de auferir renda.

Após os risos e as piadas, refletimos sobre o caso e analisamos a questão sob a ótica da jurisprudência. Naquela oportunidade discutimos algumas decisões judiciais que entendiam ser impossível pedir indenização por lucros cessantes de atividade ilícitas. Isto por que, tradicionalmente, o ato ilícito caracterizar-se-ia como a conduta humana violadora não apenas da lei em sentido estrito, mas também da moral e dos bons costumes. 

Mas qual a abrangência da ilicitude numa sociedade plural como a que vivemos hoje? 

Nas palavras do Professor Nelson Rosenvald:

"Ao conceder habeas corpus (HC 211.888) a uma garota de programa acusada de roubo, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pioneiramente considerou que profissionais do sexo têm direito a proteção jurídica e que seria possível cobrar em juízo o pagamento por esse tipo de serviço. Os ministros concluíram que a conduta da acusada, ao tomar à força um cordão folheado a ouro do cliente que não quis pagar pelo sexo, não caracterizou roubo, mas o crime de exercício arbitrário das próprias razões previsto no artigo 345 do Código Penal, cuja pena máxima é de um mês de detenção. 

Em seu voto, o Ministro Rogério Schietti Cruz lembrou que o Código Brasileiro de Ocupações de 2002, do Ministério do Trabalho, menciona a categoria dos profissionais do sexo, o que “evidencia o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que a atividade relacionada ao comércio sexual do próprio corpo não é ilícita e, portanto, é passível de proteção jurídica”. Além disso, afirmou, a Corte de Justiça da União Europeia reputa a prostituição voluntária uma atividade econômica lícita. Essas considerações, disse o relator, “não implicam apologia ao comércio sexual, mas apenas o reconhecimento, com seus naturais consectários legais, da secularização dos costumes sexuais e da separação entre moral e direito”. Segundo ele, o processo demonstra que a garota de programa pensava estar exercendo uma pretensão legítima, já que não recebeu os R$ 15,00 prometidos em acordo verbal pelo cliente.

A recente decisão deve ser debatida em uma perspectiva ainda mais ampla, começando pelo viés moral. Na perspectiva tradicional, o compromisso de pagar por sexo não seria passível de cobrança judicial, pois a prostituição não seria atividade a ser estimulada pelo Estado. Alguns tendem até a criminalizá-la. Nessa linha, tramita no Congresso o Projeto de Lei 377/2011, de autoria do Deputado Federal João Campos. acrescendo ao Código Penal o tipo da Contratação de serviço sexual: “Art. 231-A. Pagar ou oferecer pagamento a alguém pela prestação de serviço de natureza sexual: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem aceita a oferta de prestação de serviço de natureza sexual, sabendo que o serviço está sujeito a remuneração”. Ora, criminalizar essa atividade apenas favorece quem a explora no topo da cadeia alimentar, obtendo lucros com o comércio do corpo alheio. O dedo incriminador é um estorvo. Numerosos são os que nos pretendem tutelar, transformando a esfera intima do adulto em um picadeiro de despóticos desejos frustrados. Renunciamos tanto às obscenidades quanto ao moralismo. Face à finalidade óbvia de sua existência, a prostituição não se apresenta à meia luz, nem ambígua ou clandestina. E é por esse motivo que em meio a uma maré de sexualidade, transformou-se em bastião do sexo, há muito como tal reconhecido.

Em sociedades plurais e democráticas substituímos a subjetividade arbitrária da moral por uma ética calcada em harmonização de direitos fundamentais. Sendo a pessoa plenamente capaz e autodeterminada, prevalece o exercício de sua intimidade nas escolhas existenciais, com o consequente afastamento da “moral estatal” heterônoma. A balança argumentativa só penderá para a repressão da atividade, quando praticada por sujeito incapaz, vulnerável, ou submetido à coação (o moderno leilão de escravas é eletrônico, cafetões locais adquirem mulheres de atacadistas de outros países e consumidores varejistas requisitam a prostituta de sua escolha). Afora tais situações intoleráveis, não mais se justifica a sanção moral à prostituição, que embasou a noção civilista do contrato de prestação de serviços sexuais como uma obrigação natural, na qual haveria o débito desprovido de responsabilidade. Ao contrário de uma obrigação civil, perfeitamente dotada de exigibilidade, a titularidade de um crédito derivado do “comércio corpóreo” despojaria o credor da pretensão de constranger judicialmente o consumidor inadimplente. O único efeito de uma obrigação natural é a retenção por parte do credor dos valores espontaneamente pagos, pois o devedor não poder repetir um pagamento que ainda era devido, não obstante inexigível. Porém, ao contrário do que ocorre com atividades delituosas organizadas, onde residiria a expressa vedação a essa atividade e a consequente ilicitude desse negócio jurídico? O desrespeito ao fluido conceito jurídico indeterminado dos “bons costumes” seria uma justificativa hábil a sancionar esse contrato como inválido?

Muito pelo contrário, a fronteira entre o lícito e o ilícito é transposta apenas na violação formal (art. 186, CC) ou material (art. 187, CC) de uma norma. Não se atribui antijuridicidade a um comportamento individual que traduza o livre exercício de um trabalho respaldo pelo intuito de promoção da trajetória pessoal. Justamente por fugir ao lugar comum do modelo estatal punitivo de comportamentos socialmente desviantes, mostrava-se elogiável o Projeto de Fernando Gabeira no sentido de tornar exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual pela pessoa que os tivesse prestado ou que tivesse permanecido disponível para os prestar (quer tenha sido efetivamente solicitada a prestá-los ou não). É evidente que aqueles que “não perdem a piada” alegariam que uma ação de cobrança poderia expor a privacidade das partes, se o devedor alegasse uma espécie de “exceção de contrato não cumprido”, ao fundamento de que a(o) prostituta(o) não teria cumprido a sua obrigação de satisfazer o cliente. O que levaria mesmo a uma bisonha discussão se haveria aí obrigação de meio ou de resultado! Fato é, que diferentemente da saudável abolição da discussão de culpa no divórcio - pela evidente violação a uma relação que repousa no afeto - a prostituição é um vínculo exclusivamente negocial, cuja discussão de fundo apenas se eliminaria pela via da abstração conferida por um título de crédito. Infelizmente, o Projeto 98/2003 foi arquivado. Todavia, tramita no congresso o Projeto de Lei “Gabriela Leite”, dispondo ser “juridicamente exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual a quem os contrata” e que “a obrigação de prestação de serviço sexual é pessoal e intransferível” (Projeto 4.211/12, Deputado Jean Wyllys).

Nos tempos atuais qualquer coisa de valor se encontra a venda no mercado global: drogas ilegais, espécies ameaçadas, seres humanos como mercadoria destinada à exploração sexual e profissional, ideias pirateadas, medicamentos falsificados, cadáveres e órgãos para transplantes, metralhadoras e lançadores de foguetes. E o mais grave, como demonstra o prestigiado autor Moisés Naím, (“Ilícito”- Ed. Jorge Zahar), é a existência de uma enorme área cinzenta entre as transações legais e ilegais. Não sabemos com certeza a quem nossa compra beneficia, o que nossos investimentos apoiam e que conexões financeiras podem ligar o nosso trabalho e consumos a objetivos e práticas que abominamos. É uma ilusão a ideia de que o comércio ilícito é ainda um fenômeno marginal e reservado ao campo do direito penal. Enquanto lamentavelmente alguns insistem na moral “vitoriana” do combate à prostituição, a sociedade do século XXI passivamente assiste o ostensivo avanço de redes ilícitas sobre empresas, partidos políticos, governos, parlamentos, grupos de comunicação e tribunais, que desvirtuam o interesse público em nome de interesses inconfessáveis.


FONTE: https://www.facebook.com/Nelson-Rosenvald-1407260712924951/?fref=ts

segunda-feira, 6 de junho de 2016

A PESSOA COM DEFICIÊNCIA É PLENAMENTE CAPAZ! E AGORA?



Especialistas questionam capacidade civil prevista no Estatuto da Pessoa com Deficiência


A Lei nº 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, objetiva assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. A norma trouxe inovações no campo das relações familiares ao modificar as regras sobre capacidade civil, reformulando o raciocínio no que diz respeito, por exemplo, à curatela.
Alguns pontos da nova legislação estão causando “preocupação” na comunidade jurídica, afirma em artigo Zeno Veloso, diretor nacional do IBDFAM. Para o jurista, a lei trouxe muitas e importantes modificações no direito brasileiro. No entanto, durante o trâmite no Congresso Nacional, o projeto que deu origem à lei “não foi acompanhado, como deveria, pela comunidade jurídica”, afirma.
Para o advogado Euclides de Oliveira, conselheiro do IBDFAM/SP, assim como toda legislação nova, a Lei nº. 13.146/2015 apresenta pontos polêmicos. Seu objetivo é o de obter a inclusão familiar e social da pessoa com deficiência, sem qualquer discriminação. No entanto, explica Euclides, para alcançar esse objetivo a lei estabelece normas que podem resultar em desconforto e falta de segurança ao portador de deficiência.
“Uma das preocupações resulta do enquadramento da pessoa deficiente como relativamente incapaz, de modo que os atos que pratique seriam meramente anuláveis e não absolutamente nulos”, diz. O Estatuto coloca no rol dos absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos. “Ora, há situações em que um menor, digamos, com 15 anos de idade, tem muito mais condição do que um deficiente grave, com baixo nível mental. Nesse comparativo, não há como admitir que o ato do menor seja nulo e o praticado pelo deficiente absoluto seja anulável, o que depende de sua iniciativa e de outros requisitos legais”, explica.
“Um deficiente mental, que tem comprometido absolutamente o seu discernimento, o que sofre de insanidade permanente, irreversível, é considerado relativamente incapaz. Bem como o que manifestou a sua vontade quando estava em estado de coma. Ou o que contratou, ou perfilhou, ou fez testamento, sendo portador do mal de Alzheimer em grau extremo. São casos em que não me parece que essas pessoas estejam sendo protegidas, mas, ao contrário, estão à mercê da sanha dos malfeitores, podendo sofrer consideráveis e até irremediáveis prejuízos”, afirma Zeno.


Segundo Veloso, para evitar “graves distorções” e “evidentes injustiças” poderia ser invocada a teoria da inexistência, e “privar de qualquer efeito negócios jurídicos cuja vontade foi extorquida e nem mesmo manifestada conscientemente. Para ser nulo ou anulável, é preciso que o negócio jurídico exista. A inexistência é uma categoria jurídica autônoma”, propõe.

Euclides de Oliveira concorda. “No que se refere à invalidade de atos praticados por deficiente grave, por exemplo, pode-se entender que não seriam meramente anuláveis, mas até mesmo inexistentes, um nada jurídico, pela absoluta falta de vontade do agente”, diz.
Críticas à parte, reconhece Euclides de Oliveira, a lei 13.146 tem “inegável” alcance social e representa uma evolução notável como instrumento da inclusão social da pessoa que seja portadora de deficiência, seja física, mental, sensorial ou de outra ordem.
“Trata-se de um verdadeiro microssistema normativo, a ser melhor analisado e aplicado, estendendo-se por 127 artigos, com extenso rol de medidas protetivas na parte geral e modificações importantes no Código Civil, no Código Penal, na Consolidação das Leis do Trabalho e em outros diplomas legislativos. Eventuais desacertos na fase inicial de sua vigência serão corrigidos por interpretações doutrinárias e da jurisprudência, para adaptação aos casos concretos”, reflete. “A filosofia do novo diploma é o de promover a mais ampla proteção à pessoa, nunca o de desempará-la”.
FONTE: IBDFAM

SUGESTÃO DE DOUTRINA

  • GAGLIANO, Plablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil
  • CHAVES, Cristiano & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil
  • MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, tomos 1 a 4, Bookseller
  • GOMES, Orlando. “Introdução do Direito Civil”. Rio de Janeiro: Forense.
  • PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil
  • DIREITO CIVIL BRASILEIRO. Carlos Roberto Gonçalves. Editora Saraiva Volumes: 01 a 03.
  • DIREITO CIVIL. Silvio de Salvo Venosa. Editora Atlas. Volumes: 1 a 7.
  • CURSO DE DIREITO CIVIL. Maria Helena Diniz. Editora Saraiva. Volumes 1 a 7.
  • CURSO DE DIREITO CIVIL. Washington de Barros Monteiro. Editora Saraiva. Volumes: 1 a 6.
  • DIREITO CIVIL. Silvio Rodrigues. Editora Saraiva. Volumes: 1 a 7.

Mandamentos do Advogado

Eduardo Couture

ESTUDA - O Direito se transforma constantemente. Se não seguires seus passos, serás cada dia um pouco menos advogado;

PENSA - O Direito se aprende estudando, mas exerce-se pensando;

TRABALHA - A advocacia é uma luta árdua posta a serviço da Justiça;

LUTA - Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça;

SÊ LEAL - Leal com teu cliente, a quem não deves abandonar senão quando o julgares indigno de ti. Leal com o adversário, ainda que ele seja desleal contigo. Leal com o Juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que dizes;

TOLERA - Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua;

TEM PACIÊNCIA - O tempo se vinga das coisas que se fazem sem a sua colaboração;

TEM FÉ - Tem fé no Direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na Justiça, como destino normal do Direito; na Paz, como substituto bondoso da Justiça; e sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz;

ESQUECE - A advocacia é uma luta de paixões. Se a cada batalha, fores carregando a tua alma de rancor, dia chegará em que a vida será impossível para ti. Terminando o combate, esquece tanto a vitória como a derrota; e,

AMA A TUA PROFISSÃO - Trata de considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te peça conselhos sobre o destino, consideres uma honra para ti propor-lhe que se faça advogado.