Tema que tem chamado a minha atenção, nos últimos tempos, “o princípio da actio nata”, posto não traduza ideia propriamente nova, passou a ter uma aplicabilidade freqüente, com importantes efeitos práticos, na jurisprudência brasileira.
O seu estudo sempre esteve intimamente ligado à análise da “prescrição”, deitando raízes na vetusta expressão “actione non natae non praescribitur” (enquanto não nasce a ação, ela não pode prescrever), a teor do próprio art. 75 do Código Civil de 1916 (nesse sentido, cf. Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil - Parte Geral, volume I, 37ª edição, Saraiva, 2000).
Para a adequada compreensão do tema ora tratado, um importante registro merece ser feito. Diferentemente do entendimento vigente no passado, a doutrina e a jurisprudência modernas começaram a perceber – mormente após a entrada em vigor do art. 189 do Código Civil de 2002 - que, em verdade, o que prescreve não é a ação, e sim a pretensão(nascida de um direito à prestação violado).
Como não tenho espaço para desenvolver este raciocínio aqui, anoto um breve exemplo, para demonstrar a tese:
“CAIO (credor) é titular de um direito de crédito em face de TÍCIO (devedor). Nos termos do contrato pactuado, CAIO teria direito ao pagamento de 100 reais, no dia 01 de janeiro de 2002 (dia do vencimento).Firmado o contrato no dia 10 de dezembro de 2001, CAIO já dispõe do crédito, posto somente seja exigível no dia do vencimento. Observe, pois, que o direito de crédito nasce com a realização do contrato, em 10 de dezembro. No dia do vencimento, para a surpresa de CAIO, o devedor nega-se a cumprir a sua obrigação. Torna-se, portanto, inadimplente, violando o direito patrimonial de CAIO de obter a satisfação do seu crédito. Neste exato momento, portanto, violado o direito, surge para o credor a legítima pretensão de poder exigir, judicialmente, que o devedor cumpra a prestação assumida.Esta pretensão, por sua vez, quedará prescrita, se não for exercida no prazo legalmente estipulado para o seu exercício” (Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral, vol. 1, pág. 491).
Observe, pois, amigo leitor, que, mesmo após o transcurso do prazo prescricional (que, regra geral, é de 10 anos, a teor do art. 205, CC), o credor, embora desprovido de “pretensão”, ainda detém, obviamente “direito de ação”, pois, como se sabe, para a moderna teoria do processo, é assentado o entendimento de que o direito de ação é, simplesmente, “o direito de pedir ao Estado um provimento jurisdicional” e este direito, é forçoso convir, não prescreveria nunca!
Infelizmente, é comum ainda se ver, na doutrina e na jurisprudência, a referência à prescrição “da ação”, expressão que, como dito, data vênia, deve ser evitada, inclusive por força da própria norma legal em vigor:Art. 189, CC: Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. (grifei)
Pois bem. A regra da “actio nata”, objeto de reflexão neste editorial, sustenta que um prazo prescricional somente começaria a correr quando o titular do direito violado tomasse efetiva ciência do prejuízo sofrido.Vale dizer, se o sujeito tem o seu direito violado, mas não toma conhecimento desta violação, o prazo prescricional não teria o seu curso iniciado.Alguns exemplos extraídos da jurisprudência do próprio STJ podem aclarar a hipótese:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRAZO PRESCRICIONAL.TERMO A QUO. ACTIO NATA. PRESCRIÇÃO CARACTERIZADA.1. O termo a quo do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização contra ato do Estado conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo, no presente caso, no momento que o servidor se inteirou da lesão cerebral, constatada no ano de 1970, quando então nasceu a pretensão (actio nata), assim considerada a possibilidade do seu exercício em juízo. Proposta a ação apenas em 1998, resta caracterizada a prescrição.2. Agravo regimental não provido.(AgRg no Ag 1392572/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2011, DJe 06/10/2011)
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO ENTRE BANCO E CLIENTE. CONSUMO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO EXTINGUINDO O DÉBITO ANTERIOR. DÍVIDA DEVIDAMENTE QUITADA PELO CONSUMIDOR.INSCRIÇÃO POSTERIOR NO SPC, DANDO CONTA DO DÉBITO QUE FORA EXTINTO POR NOVAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. INAPLICABILIDADE DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO ARTIGO 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL.1. O defeito do serviço que resultou na negativação indevida do nome do cliente da instituição bancária não se confunde com o fato do serviço, que pressupõe um risco à segurança do consumidor, e cujo prazo prescricional é definido no art. 27 do CDC.2. É correto o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional para a propositura de ação indenizatória é a data em que o consumidor toma ciência do registro desabonador, pois, pelo princípio da "actio nata", o direito de pleitear a indenização surge quando constatada a lesão e suas consequências.3. A violação dos deveres anexos, também intitulados instrumentais, laterais, ou acessórios do contrato - tais como a cláusula geral de boa-fé objetiva, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes -, implica responsabilidade civil contratual, como leciona a abalizada doutrina com respaldo em numerosos precedentes desta Corte, reconhecendo que, no caso, a negativação caracteriza ilícito contratual.4. O caso não se amolda a nenhum dos prazos específicos do Código Civil, incidindo o prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205, do mencionado Diploma.5. Recurso especial não provido.(REsp 1276311/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 17/10/2011)
E mesmo em face do especial prazo do mandado de segurança, cuja natureza jurídica é peculiar, existe entendimento do mesmo Tribunal:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SUPRESSÃO DE VANTAGEM. DECADÊNCIA DA IMPETRAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL.DATA DA EFETIVA SUPRESSÃO.1. O dies a quo do prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança, ou do prazo prescricional para o ajuizamento da ação ordinária, dá-se na data da efetiva supressão da vantagem, sendo certo que nesse momento se origina a pretensão do Autor, segundo o Princípio da Actio Nata.2. Agravo regimental desprovido.(AgRg no REsp 1183516/AM, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 13/09/2010)
E, ainda, vale mencionar o elucidativo noticiário abaixo:
“Mulher pode pedir indenização por erro médico em cirurgia realizada em 1979
Vítima de erro médico em São Paulo poderá pedir indenização por falha em cirurgia realizada em 1979. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao reconhecer que o prazo para prescrição do pedido de indenização por erro médico se inicia na data em que o paciente toma conhecimento da lesão, e não na data em que o profissional comete o ilícito.A paciente se submeteu a uma cesariana em janeiro de 1979 e, em 1995, foi informada de que havia uma agulha cirúrgica em seu abdômen. Até a descoberta, a mulher afirma que não sentia nada. Porém, em 2000, em razão de dores no corpo, teve a recomendação de extrair a agulha.O relator, ministro João Otávio de Noronha, esclareceu que deve ser aplicado o princípio da actio nata – no qual, o prazo prescricional para propor ação de indenização é contado a partir do conhecimento do fato. Nestes casos, o período de prescrição é de 20 anos”
Fonte: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=448&tmp.texto=101667&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=actio%20nataacessado em 08 de novembro de 2011.
Note-se que esta regra – de aplicação possível, em nosso sentir, até mesmo em face de certos prazos decadenciais - favoreceria sobremaneira a vítima do prejuízo sofrido, que não correria o risco de ver exaurido um prazo que sequer imaginou existir.
Todavia, é de suma importância que a sua aplicação seja revestida de redobrada cautela. Isso porque, se assim não o for, a referida regra poderá servir de incentivo àqueles que, cientes do efetivo prejuízo sofrido, quedaram-se silentes, por indolência ou má fé, seguros de que poderiam, no futuro e a qualquer tempo, voltar-se contra a parte adversa, transformando, assim, um louvável instituto protetivo, em um armamento soez de vingança.
PABLO STOLZE
DISPONÍVEL EM: http://pablostolze.ning.com/
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