sábado, 16 de abril de 2011

FIM OU NÃO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL?

ARGUMENTOS CONSTITUCIONAIS PELO FIM DA SEPARAÇÃO DE DIREITO


Flávio Tartuce.
Doutor em Direito Civil pela USP.
Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP.
Professor da Escola Paulista de Direito e da Rede de Ensino LFG.
Autor da Editora Método.
Advogado e Consultor Jurídico.

Ainda continua em intenso debate no Direito Brasileiro a manutenção ou não do instituto da separação de direito, diante da entrada em vigor da Emenda Constitucional 66/2010, conhecida como Emenda do Divórcio. Por certo é que duas correntes bem definidas foram formadas na doutrina e na jurisprudência, havendo, no presente momento, uma prevalência da visão que sustenta a extinção do instituto. Deve ficar bem claro que o termo separação de direito é utilizado em sentido amplo, a fim de englobar tanto a separação judicial quanto a separação extrajudicial, celebrada a última por escritura pública e introduzida pela Lei 11.441/2007.

Este breve estudo pretende difundir alguns argumentos retirados da hermenêutica constitucional como reforço para a corrente que sustenta o fim da separação de direito. As premissas teóricas aqui expostas foram retiradas da obra do jurista português J. J. Gomes Canotilho, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.[1] Não se olvide que a alteração do texto constitucional foi bem singela, a gerar muitas dúvidas, passando o art. 226, § 6º, da Constituição Federal de 1988 a enunciar simplesmente que “O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Pois bem, como primeiro argumento pelo fim da separação de direito pode ser invocado o princípio da máxima efetividade ou da eficiência do texto constitucional, pelo qual, segundo Canotilho “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)”.[2] Ora, manter-se a burocracia de exigência da prévia separação de direito, para o fim do casamento, com a concepção de um modelo bifásico (separação + divórcio), não traz a citada eficácia pretendida. Em outras palavras, como sustentam vários juristas, caso de Paulo Lôbo e Zeno Veloso, se mantido o instituto da separação de direito, o trabalho do reformador constituinte terá sido totalmente inútil e desnecessário.

Argumenta-se ainda, para a conclusão do fim da separação, com a utilização do princípio da força normativa da constituição, eis que “na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia óptima da lei fundamental. Consequentemente deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a ‘actualização’ normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência”.[3] A manutenção da separação de direito viola esse princípio, pois colide com a otimização da emenda e com a ideia de atualização do Texto Maior. A tese pela necessidade de criação uma norma infraconstitucional para regulamentar a emenda – o que possivelmente ocorrerá no futuro -, é afastada por esse princípio, eis que a Constituição Federal, em regra, deve ser tida como uma norma dirigida ao cidadão comum, tendo plena incidência nas relações privadas. Afasta-se, assim, a antiga concepção do texto constitucional como norma essencialmente programática, como uma Carta Política.

Por fim, invoca-se o princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição, pois “no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”.[4] Em conformidade com a CF/1988 não há mais sentido prático na manutenção da separação de direito, perdendo sustento constitucional as normas ordinários que regulamentam o instituto. Sabe-se que a finalidade da separação de direito sempre foi a de pôr fim ao casamento, não se justificando a manutenção da categoria se a Norma Superior traz como conteúdo apenas o divórcio, sem maior burocracia ou prazo mínimo. Não se sustenta mais a exigência de uma primeira etapa de dissolução, se o Texto Maior trata apenas de uma outrora segunda etapa. A tese da manutenção da separação de direito remete a um Direito Civil burocrático, distante da Constituição Federal, muito formal e pouco material; muito teorético e pouco efetivo Ademais, há um alinhamento à forma de interpretar o Código Civil segundo ele mesmo, desprezando-se o caminho sem volta da visão civil-constitucional do sistema jurídico.

Espera-se, assim, que os expostos argumentos, retirados da hermenêutica constitucional, sirvam como reforço para a correta dedução que afasta do sistema os infelizes entraves da manutenção da separação de direito, concretizando-se, como deve ser, a Emenda do Divórcio. Superada essa discussão inicial, que serve como premissa inaugural para outras questões, haverá plena liberdade para que a civilítica nacional debata outros aspectos retirados da EC 66/2010, tais como: a permanência ou não da culpa no sistema de dissolução, os alimentos pós-divórcio, a manutenção do uso do nome pelo cônjuge após a ruptura da relação e a responsabilidade civil decorrente da conjugalidade.


[1] Veja-se: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 3. reimpr. Coimbra: Almedina, p. 1.224-1.226.
[2] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 3. reimpr. Coimbra: Almedina, p. 1.224.
[3] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 3. reimpr. Coimbra: Almedina, p. 1.226.
[4] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 3. reimpr. Coimbra: Almedina, p. 1.226.

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