quinta-feira, 17 de março de 2011

LEI DA VOVÓ

Para sanção presidencial Lei das visitas aos avós

10/03/2011 | Autor: Marcos Duarte

"Minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos, os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos, como os nossos pais...". (Belchior).

O adjetivo "avoengo" significa aquilo que vem ou se herdou dos avós. Palavra esquisita para definir relação familiar com antepassado, ascendente a quem normalmente dedicamos imenso afeto. A propósito, dedico este artigo à minha inesquecível e amada avó materna com quem tive a alegria de conviver durante boa parte de minha vida.

Aparece agora oportunidade de comentar sobre a "visitação" avoenga, aquela que deve ser feita pelos avós aos netos de pais separados, da família desfeita ou em outra situação, já que está para sanção presidencial (certamente deverá ser sancionado pela vovó do Gabriel, Dilma Roussef) o Projeto de Lei 4.486/2001 - aprovado em votação simbólica no Plenário da Câmara Federal  em 02/03/2011 - que acrescenta parágrafo único ao artigo 1.589 do Código Civil e dá nova redação ao inciso VII do artigo 888 do Código de Processo Civil, para estender aos avós, a critério do juiz, observados os direitos da criança ou adolescente, o direito de visitas aos netos.

Merecidas algumas observações sobre a relação avoenga. Como já disse Euclides de Oliveira, "convém lembrar, em favor dos avós, que é exatamente nas situações de conflito familiar, quando o filho mais sofre com a separação dos pais, que se revela útil a presença dos ascendentes mais longínquos, servindo como exemplo de subsistência da organização familiar e também contribuindo como precioso apoio ao filho que sofre as nocivas consequências da discórdia paterna". Ser avô é ser pai com açúcar e com afeto. A relação do neto com o avô é muito mais de amizade, carinho, longe da autoridade do pai. Os avós, por certo, também possuem o direito de conviver com os netos, especialmente naquela hipótese em que o genitor ao qual são vinculados não exerce o direito de visitas por algum motivo, inclusive por qualquer forma de alienação parental.

Os avós, além de vinculados aos netos por laços de parentesco (ascendentes), mantêm com eles relações jurídicas importantes, conforme a lei. Podem requerer ao juiz medidas de proteção em caso de abuso de poder por parte dos pais (artigo 394 do Código Civil), possibilitando acompanhar o desenvolvimento físico e moral do neto. Obrigam-se à prestação de alimentos ao neto, sempre que falte o genitor (artigo 397 do Código Civil). Podem nomear tutor ao neto, no caso de falta ou incapacidade dos pais (artigo 407 do Código Civil). São tutores legítimos preferenciais (artigo 409, I, do Código Civil). Posicionam-se na linha da vocação hereditária entre si e se qualificam como sucessores legítimos necessários (artigos 1.603 e 1.721 do Código Civil).

Já afirmava Washington de Barros Monteiro[1], há mais de década, que "embora não consignado expressamente na sistemática das nossas leis que regulam as relações de família, evidente o direito dos avós de se avistarem com os netos em visita. Doutrina e jurisprudência confirmam ou aplaudem esse ponto de vista, que se funda na solidariedade familiar e nas obrigações oriundas do parentesco." Ainda, repetindo, "sem dúvida alguma, o direito dos avós se compreende hoje como decorrência do direito outorgado à criança e ao adolescente de gozarem de convivência familiar, não sendo demais entender que nesse relacionamento podem ser encontrados os elementos que caracterizam a família natural, formada por aquela comunidade familiar constituída de um dos pais e seus descendentes, inserida na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente".

O que se verifica na prática forense é que embora, eventualmente, seja buscada verba alimentar dos avós, raramente há o cuidado de se regular o contato, a proximidade, a convivência com o neto ou neta. O que se espera é que os avós contribuam financeiramente, mas não há a disposição dos netos (ou de seus guardiões) para estabelecerem contato de visitas e continuidade de laços afetivos. Parecem se esquecer que o contato entre ascendentes e descendentes é via de mão dupla, onde se um tem obrigação alimentar, também detém o direito de convívio, que pode ser estabelecido através de visitação periódica.

A Lei 11.698/2008, conhecida como Lei da Guarda Compartilhada, acertadamente, considera de forma privilegiada a preservação da convivência do filho com seu "grupo familiar", que no dizer de Paulo Lôbo[2] deve ser entendido "como conjunto de pessoas que ele concebe como sua família, constituído de parentes ou não".

O direito de visita, de acordo com o comando constitucional (art. 227) deve assegurar a "convivência" do filho com os membros de sua família, independentemente da separação ou divórcio. Este direito também não pode ser restringido em regulamentação de visitas. "Conviver" está distante de "visitar". Visita é para quem não se tem intimidade, para quem se reserva o melhor talher, a toalha de renda, o copo de cristal, na eventualidade e na cerimônia.

A IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, em 2006, enunciou que "O direito de visita pode ser estendido aos avós e pessoas com as quais a criança ou adolescente mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse. O direito de visita dos avós aos netos, mesmo quando há conflito entre os pais, decorre dos vínculos oriundos da filiação; é fruto da solidariedade familiar; é uma obrigação oriunda do parentesco; é uma garantia da manutenção dos vínculos de afeto e dedicação doa avós aos netos, já decidira o TJRS (Ap. 5910676991992)".

Evidente, não se pode esquecer que também aqui o norte a ser seguido é o do estrito interesse da criança. O interesse maior do filho justifica toda e qualquer mudança ou suspensão do direito de visita, sempre que as circunstancias o exigirem. Ressalva feita para os que gostam de reservas.

Nas separações é comum o isolamento dos avós de forma impiedosa. Ao comentar recentemente a Lei 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental, já alertava que a norma destaca formas exemplificativas e genéricas de alienação parental. Releva o poder discricionário do juiz que poderá declarar outros atos percebidos no contato com as partes ou constatados por perícia, praticados de forma direta ou com auxílio de terceiros. Neste patamar estão as formas mais comuns de identificação: a campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; os impedimentos ao exercício da autoridade parental, ao contato de criança ou adolescente com genitor, exercício do direito regulamentado de convivência familiar; a omissão deliberada a genitor de informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente e mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Insisto que o direito de visitas dos avós se fundamenta na mútua proteção do núcleo familiar sendo antes um direito do próprio neto resultante de dupla manifestação ou titularidade, em estreita relação com o parentesco. Quanto ao local onde deva ser efetivado deve preferencialmente ser no domicílio dos pais ou avós e não em lugares públicos, desprovidos de intimidade, confiança e alegria que merece estar presente nestes sublimes momentos. O pai ou mãe guardião já não podia, injustificadamente, criar obstáculos às relações de afeto e convivência da criança com os avós.

No entanto, o artigo 1.589 do Código novo, ora modificado, silenciava em relação ao direito de visitas dos avós, não consignando expressamente o que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já consagrara atribuindo "abuso da autoridade parental o impedimento, direto ou indireto, a que o ascendente mantenha estritas relações de visita com sua neta, procurando apagar nesta todo o vestígio de sentimento dos componentes de família de sua falecida mãe[3]".

Findo o silêncio legislativo. Como diria Zeno Veloso, é sempre bom que se repita na lei o que está no comando constitucional, como quem repete uma oração, debulhando um rosário antes de dormir. Além de estender o direito de visita a qualquer dos avós, alterando o artigo 1.589 do Código, a Lei da Vovó, também, e não poderia deixar de fazê-lo, altera o artigo 888 da lei adjetiva civil em seu inciso VII.

A alteração processual merece a devida atenção. As medidas previstas no mencionado artigo do CPC são regulatórias e, por força do comando seguinte (Art. 889), embora não sejam eminentemente cautelares, devem seguir o procedimento cautelar estabelecido nos artigos 801 a 803. Não sendo cautelares nem antecipatórias a lei chama estas medidas de provisionais. É pacífico na doutrina a conclusão de que o art. 888 do CPC abriga medidas com distintas naturezas e funções diversas, com tratamento jurídico não uniforme. Algumas exigem o ajuizamento de "ação principal" posterior; outras não, por serem satisfativas e até administrativas. Em verdade, não mereceram a devida atenção do legislador de 1973, ficaram desatentas na prática forense. Poucos manejam estas ferramentas com destreza.

No entanto, as medidas do art. 888 - inclusive as do inciso VII[4] com a modificação em comento - possuem ponto em comum. Todas elas se prestam para a satisfação de certo interesse básico, sem a necessidade de proteção provisória. São medidas com o claro objetivo de regular o estado pendente das coisas na constância ou iminência de instauração de um processo. Não existe a necessidaade do periculum in mora, já que, "em caso de urgência, o juiz poderá autorizar ou ordenar as medidas, sem audiência do requerido". (Art. 889, parágrafo único, CPC).

O ajuizamento de ação principal é dispensável para as medidas regulatórias de caráter satisfativo, como a de regulação do direito de visita prevista no inciso VII, já que o não ajuizamento em trinta dias não faz caducar a tutela regulatória outorgada. O ajuizamento de "ação principal" decorre de dever legal, sem vínculo à satisfatividade ou não da medida regulatória antes deferida.

No ensino inteligente de Luiz Guilherme Marinoni[5], a medida de guarda e educação dos filhos, regulada no inciso VII, não se relaciona com qualquer ação principal. A ação de guarda e educação de filhos, regulado o direito de visitas (agora extensivo a qualquer dos avós) é autônoma, uma vez que não trata de situação jurídica a ser definida mediante ação principal. Essa Ação confere ao autor a oportunidade de pedir, através de liminar, a regulação provisória da guarda, da educação dos filhos e direito de visitas sem necessitar de periculum in mora.

É mais uma lei que vem em socorro do afeto, da criança, das vovós e dos vovôs. Foram dez anos para que este Projeto de Lei fosse a voto no Plenário. Lembro de "receita da felicidade" do compositor cearense Ednardo: Ultimamente ando às vezes preocupado, vendo as caras tão risonhas das crianças, nas fotos dos anúncios, nos cartazes da parede, dando ideias que algo vai acontecer. É receita certa pra sensibilizar, pra esconder, pra mentir ou pra vender, veja as caras tão risonhas, tão lindinhas, tão risonhas, nos jornais, nas paredes, nas TVs...

Marcos Duarte é Advogado, Doutorando em Ciências Jurídicas, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM - Ceará. Presidente da Comissão de Direito de Família da OAB Ceará

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